quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A Palavra de Deus é Viva e Eficaz

Mensagem do Primeiro Congresso Brasileiro de Animação Bíblica da Pastoral

1. Com o coração repleto de alegria, nós, os 500 participantes do Primeiro
Congresso Brasileiro de Animação Bíblica da Pastoral, celebrado em Goiânia, de 08 a 11 de outubro de 2011, saudamos fraternalmente a toda a Igreja que está no Brasil com quem partilhamos a riqueza da Palavra de Deus experimentada nesses dias de convivência, reflexão e comunhão.


A Palavra de Deus é viva e eficaz (Hb 4,12). Por Ela, Deus se revela, se comunica, vive em nós e conosco, pois Ele se doou por completo a nós, em Jesus Cristo, nascido da Virgem Maria, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem (Jo 1,1.14). Ele é a Palavra Encarnada visível, audível, tocável, princípio de todas as coisas; Palavra salvadora, transformadora, libertadora, que ilumina, alimenta e leva a resistência na defesa integral da vida e da dignidade humana. Palavra que É e dá sentido a tudo o que somos e temos. Palavra que alimenta a fé, fortalece a esperança e concretiza o amor.

2. Nestes dias de graça, resgatamos a memória do caminho que a Palavra fez conosco e do caminho que fizemos com Ela na história. Lemos os Sinais dos Tempos nos desafios e oportunidades da civilização em mudança, na qual estamos inseridos.

Entendemos que a Animação Bíblica da Pastoral é uma dádiva de Deus, capaz de reavivar na Igreja a consciência de que a sua identidade e missão derivam da Palavra de Deus; capaz de renovar e dinamizar a vida, as estruturas e a ação da Igreja em sua totalidade.

Sentimo-nos provocados a construir, em nós e na comunidade eclesial, uma postura aberta e condizente com o divino processo transformador e revitalizador das pastorais, dos movimentos, das CEBs e das pequenas comunidades, estabelecendo inter-relação, interdependência e cooperação entre os pastores e os fiéis em todas as iniciativas pastorais, impulsionando o dinamismo, o crescimento e a irradiação dessa Palavra.

Cabe-nos agora assumir, com coragem e juntos, a tarefa de fazer acontecer a Animação Bíblica de toda a Pastoral.

3. O Papa Bento XVI alerta-nos: “Não se trata de acrescentar qualquer encontro na paróquia ou na diocese, mas de verificar que, nas atividades habituais das comunidades cristãs, nas paróquias, nas associações e nos movimentos, se tenha realmente a peito o encontro pessoal com Cristo que se comunica a nós na sua palavra. Dado que a ignorância das Escrituras é a ignorância de Cristo (São Jerônimo), então podemos esperar que a Animação Bíblica de toda a Pastoral ordinária e extraordinária levará a um maior conhecimento da pessoa de Cristo, Revelador do Pai e plenitude da Revelação divina” (VD no. 73).

4. Irmãs e irmãos invoquemos o Espírito Santo, para que nos dê, a todos nós a atitude do discípulo, que escuta para colocar em prática o que o Senhor diz, e nos dê a graça de dinamizarmos a Animação Bíblica da Pastoral. Para isso, propomos:


a) que a conversão pessoal e pastoral, solicitada pelo documento de Aparecida, seja fortemente alimentada pela leitura diária e a vivência da Palavra de Deus, priorizando o método da Leitura Orante;

b) que a iniciação à vida cristã, formando verdadeiros discípulos missionários, seja alimentada e dinamizada pela Palavra de Deus;

c) que a família e as comunidades se congreguem ao redor da Palavra de Deus e, à sua luz, reforcem as suas relações de vida e de comunhão;

d) que todas as iniciativas em nossa Igreja partam da Palavra de Deus, por ela se iluminem, se alimentem e se avaliem;

e) que todas as Igrejas Particulares invistam na formação bíblica dos leigos e leigas e na formação bíblica-pastoral dos seminaristas e dos presbíteros;

f) que a leitura das Sagradas Escrituras nos converta ao acolhimento, à convivência fraterna e à colaboração mútua de todos os cristãos promovendo um verdadeiro ecumenismo;

g) que nós, convertidos pela Palavra de Deus, sejamos agentes transformadores da sociedade, a favor dos mais necessitados, tendo em vista o Reino de Deus que também é nosso.

5. Isso exige, por parte dos bispos, dos presbíteros, dos diáconos, dos religiosos e religiosas, dos ministros da Palavra, dos agentes de pastoral e de todos os leigos e leigas uma firme decisão e um sólido compromisso que concretize a Animação Bíblica da vida e da pastoral nas nossas Igrejas particulares. Isso se realizará na medida em que a Palavra continuar o seu mistério de encarnação em cada um de nós como em Maria.

6. Que a Palavra de Deus, lâmpada para os nossos passos e luz para o nosso caminho, guie todos os esforços para que Cristo Jesus seja tudo em todos.

Goiânia, 11 de outubro de 2011.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

SÓ PODE TRABALHAR COM A PALAVRA, QUEM SE DEIXA TRABALHAR PELA PALAVRA.

Dedicado a Carlos Mesters em seus 80 anos.

Catequistas, agentes das mais variadas pastorais, religiosas, religiosos, padres, bispos de todas as regiões do Brasil participaram de 8 a 11 de outubro, em Goiânia, do I Congresso Brasileiro de Animação Bíblica da Pastoral. Realizado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), através da Comissão Episcopal Pastoral para Animação Bíblico-pastoral, e pela Sociedade de Catequetas Latino-americanos (SCALA), o Congresso reuniu 500 pessoas.

O presidente da Comissão Episcopal Pastoral para Animação Bíblico-catequética da CNBB e arcebispo de Pelotas (RS), dom Jacinto Bergmann abriu o Congresso destacando a importância da Palavra de Deus na vida da Igreja. Segundo o arcebispo, a bíblia deve nutrir a vocação e a missão de todo discípulo missionário. “Trata-se de compreender que a Palavra de Deus é a alma, o coração de toda pastoral, de toda ação evangelizadora da Igreja”, disse.
Dom Jacinto recordou os objetivos do Congresso. “Precisamos com coragem entender, construir e assumir uma viva e eficaz animação bíblica da pastoral. Isto é, tornar a palavra de Deus a alma da Igreja”, acentuou. De acordo com dom Jacinto, a Igreja, nos cinco continentes, “respira a grande inspiração de uma animação bíblica da pastoral”.

"A Igreja num mundo em mudança". Este foi o tema que abriu o ciclo de debates do Congresso. O tema foi apresentado pelo teólogo, padre Joel Portella. Segundo padre Joel, o fenômeno da mudança de época, que caracteriza os tempos atuais, não é específico da Igreja Católica, nem de uma região do planeta. A mobilidade e a provisoriedade são características dos novos tempos. “O caráter desconcertante da atual mudança de época decorre da radicalidade com que os critérios se transformaram e estão se transformando”.

Ele defende que estas mudanças não são “de todo negativas”, mas também “momentos muito propícios para o crescimento pessoal e comunitário”. Padre Joel destacou, ainda, que o cristianismo é marcado pela mobilidade. “Quando nos voltamos, de modo orante, para a Escritura Sagrada, encontramos um fio condutor de mobilidade”, esclareceu, lembrando o Novo Testamento onde se diz que o “Filho do Homem não tendo onde reclinar a cabeça (Mt 8,20), andando de cidade em cidade (Lc 4,43) enviando os discípulos na mesma situação, sem muitos apoios ou condições de estagnação (Lc 10,4)”.


Os biblistas frei Carlos Mesters e Francisco Orofino animaram os 500 participantes do Congresso com a conferência “Jesus, Palavra encarnada, Palavra anunciada”.
Reconhecido pela linguagem simples e pelas histórias que usa para explicar a bíblia, frei Carlos Mesters, que no dia 20 completou 80 anos, destacou a relação de Jesus com a Palavra de Deus e lembrou que foi escrita para ajudar a vida. “O livro mais importante não é a bíblia, mas a vida, conforme lembra Santo Agostinho”, recordou. “Cada pessoa é uma palavra ambulante de Deus para os outros. A bíblia não foi feita para substituir a vida, mas para ajudar a entender a vida”, salientou. Segundo Carlos Mesters, “nós podemos ajudar a revelar o reino de Deus que está nas pessoas”.
Orofino, que assina o texto da conferência junto com frei Carlos, insistiu que “só pode trabalhar com a palavra, quem se deixa trabalhar pela palavra”. Ele apontou a casa, a sinagoga e o templo como espaços sagrados onde Jesus aprendeu a Palavra de Deus. “Se você quiser conhecer a Deus, olhe para Jesus. Se quiser saber como usar a Palavra de Deus na pastoral, olhe para o jeito de Jesus usar e interpretar a Palavra do Pai. Se quiser saber como fazer pastoral, olhe para Jesus, o Bom Pastor”, concluíram os biblistas.

O arcebispo de Goiânia (GO), dom Washington Cruz, presidiu a missa concelebrada por nove bispos e dezenas de padres. Em sua homilia, dom Washington comentou o evangelho proclamado na celebração, que apresentava Jesus afirmando que “mais felizes são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática”. “No mundo é preciso criar espaço para a escuta da palavra. É tempo de fazer ressoar com entusiasmo e acreditar que se a vivemos, podemos criar um mundo melhor”, acrescentou dom Washington.

Duas conferências marcaram o segundo dia do Congresso. Os temas “A pastoral na vida da Igreja” e “A Palavra de Deus é viva e eficaz” foram apresentados, respectivamente, pelo teólogo, padre Agenor Brighenti, e pelo bispo de Rondonópolis (MT), dom Juventino Kestering.
Padre Agenor acentuou o momento de crise por que passa o mundo ocidental que, segundo ele, “deve-se à crise da modernidade, do projeto civilizacional moderno, responsável pelas maiores conquistas para a humanidade, mas, ao mesmo tempo, pelas maiores frustrações da história”.

Para Dom Juventino Kestering “falar de ‘Pastoral na vida da Igreja: uma nova compreensão de Pastoral num mundo em mudança’ é resgatar e atualizar a dinâmica da pastoral para que ela seja ‘viva e eficaz’”. Segundo o bispo de Rondonópolis, a Palavra de Deus é “viva para responder aos anseios, às buscas, às necessidades dos homens e das mulheres de hoje” e “eficaz porque o homem e a mulher modernos já não suportam algo que não tem significado e nem se sente atraído a aquilo que não é eficaz”.
O primeiro passo da pastoral que se fundamenta na Palavra de Deus e se deixa iluminar por ela, “será conhecer a Palavra e acolhê-la”, acrescentou. Dom Juventino defendeu a necessidade de uma renovação pastoral para uma animação bíblica da pastoral. “Falar em renovação pastoral necessariamente exige adentrar na eclesiologia de participação, em todos os níveis; pensar em paróquias descentralizadas e missionárias, onde os leigos e as leigas, junto com seus pastores, realizam sua vocação”, explicou.
A Palavra de Deus vivida e celebrada foi o tema desenvolvido pela biblista e professora Irmã Lúcia Weiler. Ela apontou a criação e a libertação como dois marcos celebrativos e enumerou dez “estacas ou indicadores de momentos celebrativos da caminhada do povo de Deus”.
Segundo a irmã a inspiração das dez “estacas” vem do profeta Jeremias, “que convida o povo a celebrar a volta do Exilio e hoje nos convida a entrar no mesmo caminho”.

As estacas são: o credo do povo de Deus; os salmos; a leitura profética da história; a leitura sapiencial da história; o cântico de Maria no encontro com Isabel; da tentação à oração e missão; a reconciliação; a celebração da despedida de Jesus; a madrugada do novo dia, o primeiro da semana e a Palavra vivida e celebrada nas comunidades cristãs nascentes, geradas no Espírito.

O biblista e professor de Ciências da Religião, Valmor da Silva, apresentou o tema “A Palavra preparada”. “A intenção é destacar como a palavra de Deus ilumina a vida do povo de Deus, na perspectiva da animação bíblica de toda a pastoral”, explicou o biblista.
Valmor desenvolveu seu tema lembrando, em primeiro lugar, as comparações que a bíblia faz da Palavra de Deus. Neste sentido, o biblista recordou que a Palavra é como “chuva que fecunda a terra, fogo que queima por dentro, luz que ilumina a caminhada, espada afiada que corta, atleta que corre veloz, alimento que sacia e remédio que cura”.
O conferencista destacou, ainda, que “a Palavra anima a vida toda”. Segundo ele, “o Primeiro Testamento é um celeiro repleto de material sobre a animação bíblica da pastoral e da vida como um todo”. “A palavra anima não apenas a formação religiosa, litúrgica, ou a catequese específica, mas ela conforma toda a vida cidadã, na família, na escola e na sociedade, em todos os seus setores. É onde a palavra e a própria vida se fundem como uma realidade única”, disse Valmor.


A biblista Mercedes de Budallés Diez, que é assessora do Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), mostrou a passagem da pastoral bíblica para a animação bíblica partindo do Concílio Vaticano II até os dias atuais.
Já a doutoranda em teologia bíblica, irmã Maria Aparecida Barboza, mostrou a evolução da pastoral bíblica para uma animação bíblica no Brasil. “A redescoberta da Bíblia e o seu uso constante por todas as Igrejas Cristãs no Brasil, tem sido um marco significativo no crescimento da experiência da fé das comunidades espalhadas pelo nosso País”, frisou irmã Cida, como é mais conhecida.

“Estamos diante de um novo e desafiador, mas providencial, momento na nossa ação evangelizadora na Igreja: a Animação Bíblica da Pastoral”. A afirmação é do presidente da Comissão Episcopal Pastoral para Animação Bíblico-catequética e arcebispo de Pelotas (RS), dom Jacinto Bergmann. Segundo dom Jacinto, a Igreja precisa superar limites “de uma pastoral da cristandade” e implantar “corajosamente” uma pastoral de comunhão e orgânica e que responda às necessidades dos fiéis “conforme as exigências do mundo de hoje”.
Dom Jacinto apontou três funções da animação bíblica da pastoral: ser caminho de conhecimento e interpretação da palavra de Deus; ser caminho de comunhão e oração da palavra e ser caminho de evangelização e proclamação da palavra.
“A animação bíblica da pastoral, com estas três funções, satisfaz a permanente necessidade dos discípulos missionários de Jesus Cristo de nutrir-se com o Pão da Palavra de Deus mediante o conhecimento e a interpretação adequada dos textos bíblicos, de seu emprego como mediação de diálogo com Jesus Cristo e como alma da própria evangelização e do anúncio de Jesus Cristo a todos”, disse, citando o Documento de Aparecida.

Implementação da animação bíblica da pastoral

A formadora do Centro Bíblico para América Latina (Cebipal), Katiuska Cáceres, indicou caminhos de organização e implementação da animação bíblica da pastoral. “A animação bíblica quer que a Palavra de Deus que a Sagrada Escritura transmite, seja – na pastoral orgânica da Igreja – a seiva e o coração que torna realidade o encontro com Jesus Cristo em todas as instâncias pastorais”, salientou Katiuska.

Dom Jacinto na missa de encerramento do Congresso comentou o trecho da carta de São Paulo aos Romanos, chamando o apóstolo de “grande animador bíblico da pastoral do tempo e da terra dos gentios”. Parafraseando o apóstolo, o arcebispo exortou os congressistas a não terem vergonha do evangelho de Cristo. “Nós, os animadores bíblicos da pastoral do nosso tempo, em mudança de época, a partir desse congresso, não nos envergonhamos da palavra de Deus, pois ela é força salvadora de Deus para todo aquele que crê”.
O arcebispo se mostrou animado com o resultado do Congresso cujo objetivo principal ele resumiu com os verbos "entender, construir juntos e assumir" a animação bíblica da pastoral. “Conseguimos adentrar bem na compreensão do que seja a animação bíblica da pastoral”, afirmou.

Estamos diante de uma nova primavera da Palavra, um novo e desafiador momento na nossa ação evangelizadora na Igreja: a “Animação Bíblica da Pastoral”.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Aquí estou. Envia-me!


Descobrir o que uma pessoa quer ser na vida forma parte das aventuras mais fascinantes do mundo e, muitas vezes, vai acompanhado de medo e não poucas dificuldades. Vejamos como conta o profeta Isaias o seu descobrimento de um acontecimento tão marcante na vida dele. Podemos ler o capítulo 6 do livro de este profeta genial(Is 6,1-13).

Estamos no ano 740 a. C. e Isaias tem uns 20 anos. Essa é a data mais provável para essa visão de Isaias que nos narra sua vocação-missão, não ao começo como Jeremias (1,1-19), mas já avançado o livro. O relato define a missão do profeta e põe a questão da conversão ou não dos destinatários da palavra profética. A morte de Ozias coincide com a entronização de seu filho Joatam, de quem se dizem coisas tão negativas (em 2 Rs 15,32-35 ou em 2 Cr 27,1-9), como de seu sucessor Acaz (2 Rs 16; 2 Cr 28). Esse é o contexto da profecia de Isaias, onde ele vai atuar. A profecia tem sempre lugar e hora, um contexto vital.

Isaias narra a visão de Javé sentado num trono alto e elevado, quer dizer, com os traços de um rei, em posição de seu exercício de poder. O profeta conta uma experiência transcendental na sua vida e na história da profecia. Destaca a majestuosidade de Deus, sentado no seu trono, rodeado de seus ministros e cobrindo o templo com a orla de seu manto. A designação de Deus como o Senhor é significativa com outras cenas em que Isaias terá que falar a um rei.

Podemos destacar três partes: a teofania (1-5); a sagração ou purificação (6-7), e a missão (8-13). Na primeira parte aparece outra chave de leitura da visão nas expressões de plenitude: o manto enche o templo, a glória de Javé enche a terra, a fumaça enche o templo. No centro está a expressão da plenitude da glória, que expressa fama/exaltação, peso/carga/energia e ao mesmo tempo esplendor: algo luminoso, sobretudo nas manifestações de Deus. Contrasta a plenitude do começo da visão com o “vazio” do final.

Serafins estão de pé, por cima do personagem que está sentado, indicando assim sua posição de serviço e entoam o tríplice “santo” que não é tanto uma invocação á santidade e virtude de Javé, quanto à sua exclusividade para Israel: é um Deus diferente daquele dos outros povos e reservado/consagrado a seu povo, um Deus “especial” para Israel (Croatto). Já desde 1,4 e 5,19 até o final (60,9.14) o livro de Isaias usará esse título divino como um dos seus eixos de sentido. A “santidade / exclusividade” de Javé exige a fidelidade absoluta de Israel para com Ele. Este é um tema fundamental para Isaias. Aqui se mostra como expressão fundamental de uma teologia que constitui o núcleo da mensagem de Isaias, e ordena a atitude que se exige diante de Deus, o Santo de Israel (fórmula que se encontra 11 vezes na primeira parte de Isaias e 13 na segunda, assim como em Jr 50,29; 51,5 ou nos Sl 71,22; 78,41; 89,19). A teologia da santidade de Deus, que exige a do povo, reaparecerá com Ezequiel, em Isaias 40-55 e em certas tradições sacerdotais conservadas em Jerusalém (cf. Levítico 17-26).

O Deus de Israel é chamado “Deus dos Exércitos”. O término evoca os exércitos de Israel em ordem de batalha; depois, como em Deuteronômio 4,19, designa as constelações ou elementos que constituem o universo organizado. A glória é, às vezes, utilizada como doxologia nos Salmos (Sl 72,19).

O segundo cenário (vv. 5-7) mostra a reação de Isaias diante da visão, e o rito de purificação e sagração de sua boca, que está destinada a falar a palavra de Deus. Isaias confessa ser uma pessoa de lábios impuros em meio de um povo de lábios impuros. Somente Isaias é purificado, logo será a palavra do profeta que invitará à conversão do povo, para que torne ao Senhor. Temos um grande contraste, o profeta de lábios impuros diz que viu o rei, Javé Sebaot. O viu, porém, está chamado a viver, a profetizar, não a morrer. Ver o Senhor ajuda a viver de uma maneira nova. Um serafim leva a cabo a purificação com uma brasa da boca, representando a pessoa toda. O profeta experimenta uma purificação com fogo! E sua culpa lhe foi tirada e seu pecado perdoado, antecipo do que o Senhor quer realizar com seu povo.

A terceira cena (vv. 8-10), não é de visão, mas de audição. Escuta a voz do Senhor que convida a ir, a pôr-se em pé de missão da parte de Deus. O profeta é o “porta-voz” de Deus, leva sempre sua palavra e fala com a mesma autoridade de Deus, por isso usa a expressão “oráculo”, ou “palavra do Senhor” cada vez que se dirige ao povo.

Aqui estou: envia-me!

Vejamos o chamado de Isaias a partir de outros relatos de vocação-missão. Em contraste com Moisés (Ex 3-4), Isaias responde imediatamente. Moisés duvida, apresentando mil desculpas para não aceitar a missão. Jeremias (capítulo 1), também indica sua falta de idoneidade: não saber falar, indicando a qualidade principal para poder realizar a missão. Jacob passa toda uma noite de luta até o sol raiar. Cada pessoa responde ao chamado de Deus desde o mais íntimo da sua personalidade.

Na resposta de Isaias à missão ressoa a disponibilidade de Samuel (1 Sm 3,1-21), a obediência e prontidão de fazer a vontade do orante do Salmo 40,7-11 que logo a Carta aos Hebreus aplicará à obediência total e radical de Jesús à vontade do Pai (Hb 10,5-7); ressoa também a “servicialidade incondicional” de Maria em cumprir a Palavra do Senhor (Lc 1,38); igualmente ressoa a generosidade de Pedro e dos outros discípulos: “nós deixamos tudo e te seguimos”; e, finalmente, evoca a resposta dos primeiros discípulos que encontramos nos Evangelhos como modelo de resposta diante da chamada-missão de todo cristão (Mc 1,16-20;18-22; Lc 5,1-11).
O profeta é chamado a profetizar a esse povo que parece fazer referência a algumas pessoas com responsabilidade, os dirigentes, especialmente os de Jerusalém.

O profeta anuncia a mensagem a esse povo, mas a resposta é negativa, expressada na fórmula: “Escutem com os ouvidos, mas não entendam; olhem com os olhos, mas não compreendam!”. A incapacidade de “entender - compreender” é a atitude básica criticada por essa mensagem do profeta. Quer dizer, tanto Isaias, como Ezequiel (“não te escutarão porque não querem escutar”: Ez 3,4-9) mostram a má vontade para escutar Javé. A fórmula de Isaias é como um trocadilho que poderíamos traduzir desta maneira: Não há pior surdo que aquele que não quer escutar, e não há pior cego que aquele que não quer ver. Quer dizer, a missão de Isaias vai fracassar porque não vão querer escutar a sua mensagem. Mesmo assim o profeta leva adiante a sua missão até o fim, como tantos na América Latina que tombaram no cumprimento da sua missão. Segundo a tradição, Isaias teria sido morto sendo cortado pela metade com uma serra.

BIBLIOGRAFIA:

ABREGO DE LACY J. M., Los libros proféticos, IEB 4, Estella, Verbo divino 2001, pp.117-118.

ALONSO SCHOEKEL L. – SICRE J. L., Profetas. I. Isaías- Jeremías, Madrid, Cristiandad 1980, pp. 139-142.

CROATTO Severino, Isaías. Vol. I: 1,39. O profeta da justiça e da fidelidade, São Paulo - Petrópolis, Metodista-Sinodal-Vozes 1989, pp.57-62.

JUNCO GARZA Carlos, Palabra sin fronteras. Los profetas de Israel, México, San Pablo 32007.

sábado, 3 de setembro de 2011

APARECIDA E A ANIMAÇÃO BÍBLICA DA PASTORAL


247. Encontramos Jesus na Sagrada Escritura, lida na Igreja. A Sagrada Escritura, “Palavra de Deus escrita por inspiração do Espírito Santo”, é, com a Tradição, fonte de vida para a Igreja e alma de sua ação evangelizadora. Desconhecer a Escritura é desconhecer Jesus Cristo e renunciar a anunciá-lo. Daí o convite de Bento XVI: “Ao iniciar a nova etapa que a Igreja missionária da América Latina e do Caribe se dispõe a empreender, a partir desta V Conferência em Aparecida, é condição indispensável o conhecimento profundo e vivencial da Palavra de Deus, Por isso, é necessário educar o povo na leitura e na meditação da Palavra: que ela se converta em seu alimento para que, por experiência própria, vejam que as palavras de Jesus são espírito e vida (cf. Jo 6,63). Do contrário, como vão anunciar uma mensagem cujo conteúdo e espírito não conhecem profundamente? É preciso fundamentar nosso compromisso missionário e toda a nossa vida na rocha da Palavra de Deus”.

248. Faz-se, pois, necessário propor aos fiéis a Palavra de Deus como dom do Pai para o encontro com Jesus Cristo vivo, caminho de “autêntica conversão e de renovada comunhão e solidariedade”.
Essa proposta será mediação de encontro com o Senhor se for apresentada a Palavra revelada, contida na Escritura, como fonte de evangelização. Os discípulos de Jesus desejam alimentar-se com o Pão da Palavra: querem chegar à interpretação adequada dos textos bíblicos, empregá-los como mediação de diálogo com Jesus Cristo, e a que sejam alma da própria evangelização e do anúncio de Jesus a todos. Por isso, a importância de uma “pastoral bíblica”, entendida como animação bíblica da pastoral, que seja escola de interpretação ou conhecimento da Palavra, de comunhão com Jesus ou oração com a Palavra, e de evangelização inculturada ou de proclamação da Palavra. Isso exige, da parte dos bispos, presbíteros, diáconos e ministros leigos da Palavra, uma aproximação à Sagrada Escritura que não seja só intelectual e instrumental, mas com coração “faminto de ouvir a Palavra do Senhor” (Am 8,11).

249. Entre as muitas formas de se aproximar da Sagrada Escritura existe uma privilegiada à qual todos somos convidados: a Lectio divina ou exercício de leitura orante da Sagrada Escritura.

Essa leitura orante, bem praticada, conduz ao encontro com Jesus-Mestre, ao conhecimento do mistério de Jesus-Messias, à comunhão com Jesus-Filho de Deus e ao testemunho de Jesus-Senhor do universo. Com seus quatro momentos (leitura, meditação, oração, contemplação), a leitura orante favorece o encontro pessoal com Jesus Cristo semelhante ao modo de tantos personagens do evangelho: Nicodemos e sua ânsia de vida eterna (cf. Jo 3,1-21), a Samaritana e seu desejo de culto verdadeiro (cf. Jo 4,1-42), o cego de nascimento e seu desejo de luz interior (cf. Jo 9), Zaqueu e sua vontade de ser diferente (cf. Lc 19,1-10)... Todos eles, graças a esse encontro, foram iluminados e recriados porque se abriram à experiência da misericórdia do Pai que se oferece por sua Palavra de verdade e vida. Não abriram o coração para algo do Messias, mas ao próprio Messias, caminho de crescimento na “maturidade conforme a sua plenitude” (Ef 4,13), processo de Discipulado, de comunhão com os irmãos e de compromisso com a sociedade.

O DOM DA LIBERDADE

Deus colocou em teu coração
uma tocha
acesa de beleza e sabedoria;
tristeza é
apagar esta tocha e abafá-la
nas cinzas.

Deus te deu um espírito
com asas
para vagares pelo espaço
do amor e da liberdade.

Não é loucura
podar as asas com as próprias mãos
e tolerar
que a alma rasteje por terra
como um verme?
Kahlil Gibran

terça-feira, 30 de agosto de 2011

APOCALIPSE: A ALEGRIA DE SERMOS PROFETAS (III)


4. DICAS PARA LER O APOCALIPSE

O livro que temos em mãos vai dirigido às sete igrejas (1,4.11). Trás a visão inaugural , as sete mensagens proféticas que o Senhor Ressuscitado dirige “pessoalmente” ao anjo de cada uma das sete igrejas (1,9-3,22), e todo o resto do livro as tem como pano de fundo.

1. Sete Bem-aventuranças estruturam toda a construção chamando a atenção aos destinatários para entender que tipo de obra tem nas mãos (1,3; 14,13; 16,15; 19,9; 20,6; 22,7; 22,14).

2. Sete mensagens proféticas são dirigidas a cada um dos sete anjos das sete igrejas (ver capítulos 2-3)

3. Sete promessas ao Vencedor ao final de cada mensagem profética (2,7.11.17.26; 3,5.12.21 (2x)) e logo no resto do livro aparece o sentido e o chamado a vencer: 5,5; 6,2; 11,7; 12,11; 13,7; 15,2; 17,14; 21,7 (total: 17 vezes): ¡O Apocalipse, a pesar de tudo, é um livro de VITÓRIA!

4. Sete Advertências a escutar: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas”: 2,7.11.17.29; 3,6.13.22.

5. Também há chamadas de atenção ou avisos fortes que iniciam com um Ai, e que encontramos em: 8,13(3x); 9,12(2x); 11,14(2x); 12,12; 18,10(2x); 18,16(2x); 18,19 (2x) (total: 14 vezes).

6. Não faltam ameaças e castigos: agora bem, fiquemos de olho para os destinatários: É bom não trocar uns pelos outros: o resultado seria uma brincadeira pesada!

7. No primeiro capítulo temos a visão do Ressuscitado que, como farol, ilumina todo o livro do Apocalipse: 1,9-20. No capítulo 4: O Símbolo central: O que está sentado no TRONO. Capítulo 5: O CORDERO DEGOLADO E EM PÉ!

8. O LIVRO selado com sete selos e que só o Cordeiro pode abrir. Sete trombetas tocarão (juízo sobre a história) e a tarefa de PROFETIZAR: o livro aberto que o profeta deve comer! (Ap 10,8-11).

9. A luta do Dragão e da Mulher (capítulo 12). A Besta (13,1-10) e a pequena besta (13,11-18). Sete Copas da ira de Deus e seus destinatários... (cap. 15-16).

10. A grande Prostituta – Babilônia e a sua queda clamorosa (17-19) e a derrota do Dragão (20,1-15).

11. A Esposa do Cordeiro e o casamento do Cordeiro (19,5-9). O livro conclui com a Nova Jerusalém (Ap 21-22), cidade contraposta à Babilônia, onde a Vida cresce por todo canto, e a luz brilha nela, pois se encontra o trono de Deus e do Cordeiro, e não faltará a luz da lâmpada nem a luz do sol, porque o Senhor Deus os ilumina: “A cidade não precisa que o sol a ilumine nem a luz, porque a glória de Deus a ilumina, e sua lâmpada é o Cordeiro. Á sua luz caminharão as nações, e os reis ao seu esplendor” (21,23-24).

5. BIBLIOGRAFÍA
ALEGRE X., El Apocalipsisde Juan, en TUÑI Josep Oriol- X. ALEGRE,Escritos joánicos y cartas paulinas, IEB 8, Estella, Verbo Divino, 1995 (existe tradução em português).
ARENS Eduardo – DIAZ MATEOS Manuel, O Apocalipse. A força da esperança. Estudo, leitura e comentário, São Paulo, Loyola, 2004.
José BORTOLINI, Como ler o Apocalipse. Resistir e denunciar, São Paulo, Paulus, 31994.
GRUPO DE REFLEXÃO DA CRB, O sonho do povo de Deus. As comunidades e o movimento apocalíptico, Rio de Janeiro - São Paulo, CRB- Publicações/1996 – Loyola, 1996.
HOWARD- BROOK Wes – GWYTHER Anthony, Desmascarando o imperialismo. Interpretação do Apocalipse ontem e hoje, São Paulo, Loyola – Paulus, 2003.
Carlos MESTERS, Esperança de um povo que luta. O Apocalipse de são João, uma chave de leitura, São Paulo, Paulus.
MESTERS Carlos – OROFINO F., Apocalipse de são João. A teimosia da fé dos pequenos, Petrópolis, Vozes, 2002.
MESTERS Carlos – OROFINO F., Apocalipse de João. Esperança, Coragem e Alegria. Círculos Bíblicos, São Leopoldo – São Paulo, CEBI – Paulus, 2002.
PRÉVOST Jean- Pierre, Para leer el Apocalipsis, Estella, Verbo Divino, 1994.
PRIGENT Pierre, O Apocalipse, São Paulo, Loyola, 1993.
RIBLA, Apocalipse de João e a mística do milênio, 34 (1999). Número monográfico.
RICHARD Pablo, Apocalipse. Reconstrução da esperança, Vozes, Petrópolis, 1996.
SCHÜSSLER FIORENZA Elisabeth, Apocalipsis. Visión de um mundo justo, Estella, Verbo Divino, 1997.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

APOCALIPSE: A ALEGRIA DE SERMOS PROFETAS (II)


2. CHAVES DE LEITURA DO APOCALIPSE

1. Apocalipse, diário e cancioneiro de resistência. O Apocalipse é um escrito de luta no qual Deus vai escrevendo a Vida: Ap 4,4-11; 5,8-14; 11,15-18; 12,10-12; 14,2-3; 15,2-8; 16,5-7; 19,1-8; 21,3-7.

2. Apocalipse, livro profético de denúncia radical: Com expressões simbólicas, e imagens reais e radicais que exigem uma leitura no contexto no qual aparecem! Há capítulos muito significativos onde a lógica da Vida e a lógica da Morte se enfrentam e é necessário fazer uma escolha (12-13; 13,10.18; 17-18).

3. Apocalipse, memória da celebração da Vida (1,16) e da Vitória (19,1-4) de todas aquelas pessoas que creem na Força do “Cordeiro degolado e em pé” (5,16), O Vivente que tem em sua mão as “sete estrelas” e está sentado no trono de seu Pai (3,21) e é o único capaz de tomar o livro e abrir os selos, quer dizer, é capaz de interpretar toda a história da humanidade desde o começo até o final: ¡Alfa e Ômega! (1,8; 21,6: 22,13).

4. Apocalipse é um quebra-cabeça do AT: simbolismo.
A linguajem simbólica é claramente sublinhada pelos comentaristas que se adentram neste oceano de luz e esplendor. Xavier Alegre comenta que a linguajem simbólica é um dos traços mais específicos da literatura apocalíptica e contribui a convertê-la numa literatura cifrada. Em Ap as imagens estão tomadas, frequentemente, do AT. Se temos em conta as citações e as alusões ao AT, “Apocalipse poderia ser visto como um quebra-cabeça do AT”.

5. Apocalipse, revelação do testemunho profético da comunidade até as últimas consequências, como Antipas, João de Patmos e a Testemunha fiel e fidedigna (1,5).

6. Apocalipse, promessa de felicidade. Sete bem-aventuranças se escondem em seu seio, como pilares fortes que sustentam todo o edifício: 1,3; 14,13; 16,15; 19,9; 20,6; 22,7.14.

7. Apocalipse, livro da urgente Justiça: Até quando, Senhor? (6,10-11) proclamam insistentemente os mártires pedindo justiça. Neles ecoa o grito das comunidades crucificadas ao longo da história: “Eles gritaram em alta voz: «Senhor santo e verdadeiro, até quando tardarás em fazer justiça, vingando o nosso sangue contra os habitantes da terra?» Então foi dada a cada um deles uma veste branca. Também foi dito a eles que descansassem mais um pouco de tempo, até que ficasse completo o número de seus companheiros e irmãos, que iriam ser mortos como eles” (6,10-11), e encontra a resposta no Rosto daquele que foi Degolado como Cordeiro e AGORA está DE PÉ (5,6).

Os seguidores do Cordeiro sabem muito bem de quem se trata, e todo aquele que o sabe, encontra também força e motivos para crer, resistir e esperar no meio da tribulação (1,9; 2,9.10.22; 7,14). Aí está escondida a força vigorosa deste livro “profético” (1,3; 11,6; 19,10; 22,7.10.18.19), “evangelho eterno” (14,6) para enfrentar a tribulação, a perseguição e se for preciso até a mesma morte como Antipas (2,13) e tantos outros (7,14-17), “por que a esperança não morre jamais!” (Dom Avelar, bispo de Salvador).

8. Apocalipse, livro da teimosa Esperança do mandacaru: 2,7.11.17.26; 3,5.12.21.
Propomos ler o Apocalipse desde o começo até o final, seguindo as pistas narrativas que nos vai colocando a cada passo. Não é suficiente lê-lo uma só vez para familiarizar-se e ter sintonia com as imagens e os símbolos mais significativos do Apocalipse, entrando assim realmente no miolo da sua mensagem.

É necessário ter presentes as chaves de leitura que o mesmo Autor nos oferece desde o título-prólogo, onde faz uma síntese do caminho que quer fazer percorrer aos leitores de ontem e de hoje.

Assim, seguindo passo a passo as suas dicas compreenderemos as diferentes situações que descreve a partir dos contextos culturais, sociais, políticos e religioso-teológicos. Do contrario, corremos o risco de ficarmos na casca, sem saborear o fruto que está dentro e sem chegar a captar a raiz, a Espiritualidade que anima cada página desta obra fascinante e maravilhosa dirigida as Sete Igrejas da Ásia e ao mesmo tempo à Igreja de todos os tempos e lugares: para descobrir qual é a Revelação de Jesus Cristo e suscitar Resistência, perseverança e confiança na Vitoria do Senhor Ressuscitado provocando a esperança com o mesmo grito de alegria da Esposa e do Espírito que dizem: ¡VEM, SENHOR, JESUS! (22,17-21).

3. ESTRUTURA GLOBAL DO APOCALIPSE (Pablo Richard).

Prólogo e saudação (tempo presente): 1,1-8

A) 1,9-3,22: Visão apocalíptica da Igreja

B) 4,1-8,1: Visão profética da história

C) 8,2-11,19: as trombetas (releitura do Êxodo)

CENTRO: 12,1-15,4: a comunidade cristã entre as Bestas

C´) 15,5-16,21: as taças (releitura do Êxodo)

B´) 17,1-19,10: visão profética da história

A´) 19,11-22,5 visão apocalíptica do futuro

Epílogo (tempo presente): 22,6-21

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

APOCALIPSE: A ALEGRIA DE SERMOS PROFETAS


Teologia narrativa para comunidades proféticas

0. INTRODUÇÃO

O Apocalipse, apesar das dificuldades que entranha, é um livro fascinante. Digo isso, agora, depois de haver experimentado grande dificuldade para explicá-lo às comunidades que me pediram um curso sobre Apocalipse, e de tê-lo estudado logo durante vários anos. Demorei dois anos até que encontrei o jeito de apresentá-lo em Equipe durante três semanas, primeiro a 70 adultos e dez crianças, e em seguida a 75 crianças e 150 jovens e adultos da paróquia Nossa Senhora Auxiliadora de Pau da Lima, Salvador na Bahia.

- DESMONTANDO: O QUE NÃO É O APOCALIPSE!

O Aurélio diz sobre o Apocalipse: “O último livro do Novo Testamento atribuído a S. João, o Evangelista, e que contém revelações terroríficas acerca dos destinos da humanidade. Fig. Linguagem muito obscura, sibilina”. Assim, na linguagem popular e comum, apocalipse e apocalíptico, deixaram de ser um gênero literário cultivado, sobretudo nos dois séculos anteriores a era cristã e nos dos séculos depois de Cristo, e passaram a ser sinônimo de coisas tremendas, terroríficas, de catástrofes, desastres ou coisas semelhantes... Devido ao fato de, na maioria das bíblias em língua portuguesa se usar o título Apocalipse e não Revelação, até o significado da palavra ficou obscuro, sendo às vezes usado como sinônimo (errôneo) de "fim do mundo".

Existem, falando muito em geral, dois tipos de Apocalipses: Primeiro, aquele que escreveu João e temos na Bíblia, difícil de se explicar, mas da para entender. Segundo, existe outro Apocalipse na cabeça de muita gente (!), no imaginário do povo em geral, criado na cultura ao longo de séculos de história, fruto de certa literatura ou de películas cheio de monstros, imagens fabulosas e coloridas que realmente não da para explicar, por que não corresponde e não tem nada a ver com o texto que encontramos no livro do Apocalipse!

Em ambientes fundamentalistas, infelizmente, é costume enfatizar aspectos que jamais foram os mais importantes no Apocalipse, baseados apenas em um ou outro texto. Uma leitura ao pé da letra e uma leitura dos textos fora do contexto levam a qualquer pretexto ou a uma leitura falseada de sua finalidade original!

Uma coisa muito estranha e curiosa: O Apocalipse é um livro que causa muito medo , quando, paradoxalmente, foi escrito para comunidades perseguidas no meio do Império Romano para acender nelas a Coragem, a Resistência, a Alegria, a Profecia, o sentido da Vitória e da Esperança em Cristo, O Vivente! Há várias figuras ao longo do livro, mas a figura CENTRAL do Apocalipse é, sem dúvida alguma, CRISTO MORTO E RESSUSCITADO!
Estou convencido, como dizem Eduardo e Manuel, que “O Apocalipse é totalmente diverso porque ensina a viver a fidelidade corajosa em meio ao mundo e ao conflito, confiante na vitória de Cristo. O Apocalipse é, antes de tudo, um livro de confiança, segurança e esperança” .

1. CAÇA AO TESOURO: CRITÉRIOS DE LEITURA DO APOCALIPSE

1. Começar pelo começo e chegar até o fim: isso está muito bem! Assim de simples e assim de claro: ler capítulo por capítulo. Desde o começo até o final, seguindo o fio dos acontecimentos, seguindo a pista das personagens, seguindo as chaves que vai colocando a cada passo. Meu conselho, breve e direto, é ler os três primeiros capítulos, três vezes. Logo o resto até o final.

2. Ler e interpretar os textos difíceis e escuros, à luz dos textos claros. Não começar logo por interpretar os detalhes. Uma vez que temos a visão de conjunto os detalhes se iluminam reciprocamente. Ler um minuto cada dia. Leitura constante e continua para entrar em sintonia e ter intimidade “com o mundo do Apocalipse”.

3. Anota tudo o que lhe chamou a atenção na leitura.

4. Anota todas as perguntas e dúvidas relacionadas com o Apocalipse. Uma vez anotadas as perguntas, lê o Apocalipse e deixa que a leitura e o texto respondam em seu momento e iluminem as dúvidas e perguntas. O texto se irá fazendo cada vez mais transparente, revelando seu segredo e o objetivo último pelo qual foi escrito.

5. Ler e trabalhar o Apocalipse em grupo, em comunidade (1,3; 2,1-3,22). O Apocalipse está dirigido a sete comunidades, por isso a comunidade é o lugar ideal para compreendê-lo em profundidade.

6. Celebrar: O Apocalipse é uma grande celebração da Vitória sonhada, esperada trás anos de luta e compromisso (Ap 6,9-11). O Apocalipse nos convida a compartilhar uma Festa no Céu e na Terra. Convida a olhar o Céu para entender tudo o que se passa na Terra e poder gerar céus novos e terra nova onde habite a Justiça (Ap 21-22; 2 Pd 3,13).

7. Praticar é a condição para Ser Felizes (Ap 1,3). Essa é a exigência que aparece também no Evangelho (Mt 7,21-27) e se renova no começo do Apocalipse, como programa de vida e luz para o caminho e a missão.

8. Ninguém conhece melhor o Apocalipse que o autor do Apocalipse, por isso é necessário levar em conta o que diz Prévost : “estou plenamente convencido: é preciso compreender o Apocalipse pelo mesmo Apocalipse: só uma leitura várias vezes repetida de todo o texto pode fazer descobrir a força e a coerência de sua mensagem”.

9. O autor do Apocalipse, João, nos dá uma chave de seu livro nos três primeiros versículos e nos certifica do que se trata: não de “uma revelação de João”, mas, ao contrário, e em sentido pleno: “REVELAÇÃO DE JESUS CRISTO”. Essa diferença de enfoque não é pequena e as consequências, incalculáveis. Quando o autor diz revelação está dizendo que nos re-ve-la, que não está ocultando (!!) nada, e isso ao longo de todo o livro e em todos e cada um de seus capítulos. O Apocalipse é uma brisa suave para “tempos fortes” – como diria Santa Teresa de Ávila - ou para tempos de tribulação (1,9) e perseguição (6,9-11) como prefere o autor deste livro apaixonante!

sábado, 23 de julho de 2011

“Espiritualidade em defesa da vida: Ecologia e Emancipação Humana”

XI CURSO DE VERÃO NA TERRA DO SOL

MANIFESTO DA ESPERANÇA NA RESISTÊNCIA

No período de 10 a 18 de julho de 2011, o Mutirão do Curso de Verão na Terra do Sol trabalhou, coletivamente, a temática “Espiritualidade em Defesa da Vida: Ecologia e Emancipação Humana”. Esta jornada de nove dias de reflexão bíblica-teológica e de educação política popular, onde vivenciamos fé e vida, contou com 122 participantes, reunindo cursistas, monitores, assessores e equipes de trabalho, provenientes de muitas localidades do Nordeste e de outras regiões do país: Ceará, Maranhão, Bahia, Pernambuco, Paraiba, Rio Grande do Norte, Piauí, Amazonas, Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina.

Neste ano, tivemos, como fundamento e inspiração bíblica, o Apocalipse, livro profético de denúncia radical que funda e alimenta a resistência face à lógica dominante. Em nossa linguagem nordestina, é o livro da “teimosia da esperança do mandacarú” que proclama a Vitória, em um Cântico de Aleluia.

O Apocalipse encarna o confronto de duas lógicas: a lógica dominante do Império que, na sua beleza e sedução, esconde o Dragão e a Besta-Fera que querem submeter o povo, trazendo extermínio e morte; a lógica da emancipação que se revela na construção de uma nova sociedade de igualdade, de justiça e de liberdade, fundada na vitória do Cordeiro. Assim, o Apocalipse interpela a opção de cada um/ de cada uma: seguir a lógica da Besta, deixando-se iludir e seduzir pelo projeto da morte (os “abestados”); seguir a lógica do Cordeiro, abrindo-se para correr todos os riscos, inclusive o de perder a vida, no confronto com o Império, na convicção da vitória da vida plena (os “degolados”).

Inspirados nas luzes do Apocalipse, refletimos sobre este confronto fundamental da morte e da vida no mundo que vivemos, no interior da civilização do capital, em vigor nos últimos quatro/cinco séculos. Esta civilização, regida pela acumulação, encarna o Dragão do Apocalipse, a seduzir o povo, no tempo presente, através da mercantilização, do consumismo e do individualismo, gerando uma sociedade profundamente excludente. Em suas contradições e paradoxos, esta civilização dominante destrói a Vida no Planeta, nos
processos sem limites de expansão do capital, violentando a Natureza e os Homens e Mulheres. Assim, hoje, mergulhamos em uma crise estrutural deste padrão de civilização que revela a sua insustentabilidade. Na verdade, é uma crise ético-política que toca o cerne do sentido da vida humana.

Esta crise revela-se com clareza no campo da Ecologia, mostrando-se nos efeitos perversos de destruição que atingem o meio-ambiente e bilhões de seres humanos, difundindo a lógica do extermínio e da morte!.

No contexto da crise estrutural da civilização do capital, impõe-se, como desafio do nosso tempo histórico, a construção de uma outra forma de organizar a Vida no Planeta, apontando para a Emancipação Humana, no sentido de romper com esta lógica ilimitada e destrutiva do capital, a gerar incertezas, instabilidades e riscos globais. Esta lógica a ser confrontada e rompida, está concretamente materializada na visão de desenvolvimento que prioriza o crescimento econômico permanente a desconsiderar a natureza e as necessidades humanas. É preciso construir um modelo de civilização fundado na sustentabilidade da vida!

Neste nosso Mutirão do Curso de Verão, assumimos a Emancipação Humana como Horizonte e como Processo. Isso significa incorporar a Emancipação como sentido de Vida e de Luta, na construção de uma sociedade para além do capital e de todas as formas de opressão, priorizando o Bem-Viver de homens e mulheres e articulando Justiça Ecológica e Justiça Social. Exige construir de forma persistente, na vida de cada dia, a Emancipação através da ação coletiva de grupos, comunidades e movimento sociais, rejeitando as ilusões e seduções do sistema do capital e seus tentáculos que hoje quer tudo absorver. É concretamente a criação de uma rede de resistências na defesa da vida.

Na criação destes espaços de vida, focalizamos este ano as Lutas Ecológicas na perspectiva de uma Ecologia integral, dentro de uma visão holística que reúne homens, mulheres e natureza em uma totalidade, enfrentando experessões de extermínio que estão presentes nas diferentes localidades do Nordeste e nas distintas regiões deste país, bem configuradas na sondagem e nos depoimentos dos cursistas.

Impõe-se O QUE FAZER para enfrentar esta lógica de morte e afirmar a vida plena. Na reflexão coletiva coletiva dos cursistas foram apontados CAMINHOS:


• Conhecer a realidade que vivemos, buscando fontes de informação que “lancem luzes em campos de sombra”. Neste sentido, destaca-se a exigência de formação de Grupos de Estudo e realização de seminários;
• Profetizar e denunciar rompendo o silêncio imposto e fazendo ouvir nossa voz;
• Trabalhar para que nossas Igrejas em suas práticas pastorais, sejam coerentes na defesa, no cuidado à natureza e ao Bem-Viver de homens, mulheres e natureza;
• Articular lutas e experiências, criando teias em redes de combate à crise ecológica que trabalhem na mesma direção emancipatória;
• Investir em processos de educação de crianças e jovens na formação de uma consciência crítica das novas gerações;
• Participar na formulação, execução e controle das políticas públicas no apoio aos interesses das comunidades, atuando nos conselhos e em outros instrumentos participativos;
• Trabalhar de diferentes formas para a permanência dos homens e mulheres no campo, em condições dignas de vida e de trabalho;
• Fortalecer as lutas dos Movimentos Sociais para frear e impedir a destruição da Natureza, particularmente em relação à depredação das mineradoras e expansão do agronegócio;
• Usar amplamente os Meios de Comunicação Alternativos, como sites, blogs e rádios comunitárias para fortalecer as lutas emancipatórias;
• Resgatar valores, costumes e práticas das comunidades tradicionais que apontam para outro modo de organizar a vida.

Sigamos para o mundo com o coração aquecido pelo Sol do nosso Mutirão do CURSO DE VERÃO!!!

segunda-feira, 11 de julho de 2011

BÍBLIA: TODO UM MAR PARA SURFAR

É bom escutar como as pessoas leem a Bíblia. Descobre-se tanta coisa bonita! Por isso a partir daqui convido você que está lendo estas páginas a partilhar a sua leitura e vivência da Palavra de Deus. Diga onde você encontra água para a sua sede, e o seu modo de atingi-la.
Pode pensar que são pequenas coisas e que a ninguém interessa. Tente escrever dez ou quinze linhas e envie. Verá que maravilha está acontecendo no meio de nós. Jesus disse que era para proclamar a Boa Notícia sobre os telhados.
Vamos fazer, então, um grande mutirão para nos ajudarmos a crescer no serviço aos pobres, na comunidade, na missão, na luta pela vida, pela justiça e pela paz.

SURFISTA DO EVANGELHO

Neste ano, o Evangelho de Mateus vai ser a minha praia. Por falar em praia, eu gosto é da praia de Piatã. Isso é praia! Já viu segunda-feira? Piatã é uma delícia. Vai encontrar pouco pessoal, caminhando, jogando bola, sentado, deitado, criança brincando de gente grande, homem e mulher feito criança, construindo castelos na areia.

Eu gosto é de praia, como gosto dos Evangelhos. Essa é uma de minhas praias favoritas. O Evangelho de Lucas: que coisa linda! E o de Marcos, nem me fale. Mas eu decidi que a minha onda vai ser Mateus. Existem mil motivos para frequentar essa praia. Alguns consideram esse evangelho como o mais eclesial: fala do jeito de ser comunidade, de viver, de celebrar, de ser seguidores e seguidoras de Jesus, de oferecer o perdão se for o caso.
Traz também ar de pão cozido, de trabalhadores cansados de esperar na praça, de mulheres fadigadas, de multidões de pobres, de tentações, de sonhos, de tanta coisa. Há muita sabedoria e mensagem nesse baú.

– Eu já ouvi falar nisso. Que tem muito discurso. Que esse evangelho quer mesmo é ensinar.

– É uma boa notícia para os pobres e pequenos. Eu acho esse Evangelho lindo, lindo, lindo. Lindo mesmo!

– E de Jesus de Nazaré também fala um bocado!

Claro, nesse tecido tem fios e fios de muitas cores e tamanhos. E Jesus Cristo é um fio de rio de grande correnteza no Evangelho de Mateus. Jesus e a comunidade. Tudo isso está lá e muito mais. Tem tanto segredo nessa mata, aliás, nessa praia!

Você acha que conhece, porque passou por lá várias vezes, e coisíssima nenhuma. As pegadas que você deixou, o dia seguinte não encontra mais. Caminha e caminha e a praia é sempre nova. O céu, diferente. O mar, mais alegre e revitalizador. Faz sonhar acordado!

Praia coisa linda que só! Praia, dom de Deus! Evangelho de Mateus, presente de Deus. Memória de Jesus e das comunidades. Memória da missão dos pobres!

– Ué! Os pobres têm missão?

– Só faltava essa! Que os pobres já não tivessem nem missão. Não têm casa, nem pão, nem terra, nem salário. Tiraram deles a cultura, quase que a vida arrancaram e, agora, querem tirar também a missão? Mas não vão poder tirar o que Deus lhes confiou: a eles pertence!

SURFISTA? SIM

Venha a curtir uma praia comigo. Não me entenda mal. Não é que eu seja doente por praia. Nasci no interior, num povoado de quarenta famílias. Mas meus olhos se acostumaram a estas praias e decidi ser surfista.

– Mas você, logo você que mal sabe nadar.

– Pois é, mal sei nadar, mas por isso é que não sou do mar. O mar me respeita, e eu tenho respeito por ele. Respeito e medo. Mas gosto é de surfar. Minha prancha é de boa qualidade e com o passar do tempo a confiança aumenta. Tenho maior intimidade. Somos mais amigos. Dentro do possível, porque o mar, como a vida e o evangelho, tem muito segredo!
– E o Evangelho de Mateus também. Dá pra surfar o ano todo: uma delícia de mar! Quanto você mais avança maior é a alegria de nadar, de surfar, de brincar com ondas. Você e a prancha e a onda viram uma coisa só, junto com o vento e o sol. Um milagre em movimento!

Quando você quer reter a onda, ai não dá. A onda chega na praia e já era! Bateu no chão! Tem que se deixar levar pelas ondas, e driblar, e brincar na gratuidade do vento que vem e para quando quer.

Algo assim é o Evangelho de Mateus. É coisa linda para as crianças: podem brincar na praia e sentir a presença do Amigo que fala com tanta paixão das crianças que até os adultos querem virar crianças para entrar no Reino de Deus. E aí o sonho de Jesus se realiza. E Jesus grita de alegria vendo tanta coisa boa: "Eu te louvo, Painho, porque tem tanta criança na praia, curtindo a partilha, a solidariedade, e essa presença do Abbá (painho/mainha), que brinca com eles o dia todo (Mt 11,25).

E tem surfista que joga e descobre o risco e o rosto de Cristo. E se adentra descobrindo outras praias e outros mares e percebe a missão das comunidades. E fica a mercê do Vento, por caminhos novos. Sempre em movimento, guiado pelo Vento! Sob a proteção da mão de Deus que segura a prancha e você, quando o cansaço chega.

Entrar, entrar no mar como o surfista. Quantas vezes? Só o mar e Deus é que sabem! Entrar e voltar... Começar e recomeçar.

– Mas, por onde?

– Geralmente, pelo começo, mas você vai se deliciar se começar pelo fim. Faça a prova. Leia o capítulo 28 de Mateus, inteirinho e devagarinho... com tudo aquilo que já sabe de Jesus. Você já sabe muita coisa de Jesus. De hoje que está na comunidade!

Acolha a novidade. As surpresas vão chegar e Deus vai lhe inspirar o resto para continuar surfando. Outra onda vai devolvê-lo à praia. E manda começar tudo na Galileia, por onde Jesus começou. (Pode ler do capítulo 3 em diante). A terceira vez, vai fazer a caminhada pelo evangelho todo: desde o começo, seguindo Jesus, junto com os discípulos e discípulas, ouvindo o Sermão do Monte, a mensagem das Bem-aventuranças, a opção radical pelo Reino (Mt 6,33), sentindo o chamado e o estilo de Jesus como uma provocação que invita a ir para a frente, apesar das pedras no caminho, sendo comunidades que acolhem os pequenos e os últimos e se perguntando mil coisas (Mt 18).

Algumas perguntas são tão parecidas com as nossas: "Quem é o maior no Reino de Deus? Quantas vezes devo perdoar?" Mas outras são tão diferentes, tão originais. Só podem ser nossas.

Veja, no entanto, qual é a resposta e a proposta sempre nova de Jesus. Uma coisa é saber, outra é viver e praticar. E oferecer o perdão de coração. O perdão e o amor renovam o coração e a comunidade. Trazem a vida nova de Deus, uma Boa Notícia, Evangelho para nós!

Continue surfando! Vai encontrar muita novidade vivendo a palavra do Evangelho no horizonte dos mares todos, dos oceanos todos debaixo do céu. Ele, o Senhor da missão, envia evangelizadores e acompanha o trabalho: "Ele, Emanuel, – Deus conosco" (Mt 1,23) – está surfando ao nosso lado na praia do dia-a-dia, sem cansar, presente onde dois ou três estão reunidos em seu Nome (Mt 18,20) e acompanha cada dia na missão até o fim dos tempos! (Mt 28,20).

No horizonte onde o mar se junta com o céu, lá é uma delícia, é o Reino de Deus acontecendo. Venha curtir essa praia e fazer discípulos e discípulas de todas as nações. Venha realizar sua missão e se alegrar nesse ano de graça do Senhor. Venha surfar!

terça-feira, 7 de junho de 2011

DAI - NOS, SENHOR, UM CORAÇÃO NOVO

Dai - nos, Senhor, um coração novo, derrama sobre nós um Espírito novo.

Ao começo do nosso Encontro com a Palavra: Dai - nos, Senhor, um coração novo, um coração de carne, sensível à dor e ao sofrimento dos pobres, aberto aos gozos e alegrias de nosso mundo, solidário com todos os povos da terra.

Dai - nos, Senhor, um olhar novo, atento aos acontecimentos da vida onde Tu te revelas cada dia aos pequenos e aos simples.

Dai-nos, teu Espírito, Senhor, para compreendermos a tua Palavra, guarda-la no coração como Maria e leva-la à prática para que ilumine os homens e mulheres de nosso tempo na noite dos conflitos e das guerras e a todos lhes chegue a tua Paz.

Por Jesus Cristo, teu Filho e nosso Irmão que contigo vive e reina pelos séculos dos séculos. Amém.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

FERMENTO NO BOLO! BÍBLIA NA VIDA!

Continuamos cavando e aprofundando a Bíblia: o nosso livro de cabeceira! Quatro imagens vão nos servir de guias para entender melhor a Palavra de Deus. Bíblia: Álbum de família, cidade, "raios-X" e fermento no bolo.

1. BÍBLIA: ÁLBUM DE FAMÍLIA, ÁLBUM DO POVO.

A Bíblia parece um álbum de fotografias guardado em caixas, sem data, sem ordem, sem assinatura..., uma desordem organizada!

Uma coisa interessante! Até as crianças se divertem folheando esse álbum. Aquela "desordem organizada", aparentemente como uma colcha de retalhos, nos revela um rosto amigo (Dt 34,10), o rosto de Deus que caminha conosco.
E assim, olhando tudo isso, muitas gerações de crianças e jovens, de famílias e comunidades aprendem e se alegram ao descobrirem: quem são e de onde vieram e, coisa ainda mais linda, para onde vão? Para isso o álbum de fotografias é muito importante. Todos sabem reconhecer acontecimentos familiares, onde a gente tomou parte ou ainda participa.

Na leitura da Bíblia descobrimos a nossa identidade, as nossas raízes culturas-sociais-religiosas e a nossa missão, como povo e como pessoas. E em tudo isso, nos sentimos da mesma família de Abraão e Sara, de Moisés e Mirian, dos profetas e profetisas... Somos um povo a caminho, com uma missão a cumprir e podemos cantar com força: "Moisés hoje é a gente quando enfrenta a opressão".

Por tudo isso, a Bíblia é muito importante. Apresenta para nós, no meio de situações difíceis e conflitivas, mil fotografias do Deus discreto e fiel, misericordioso e libertador, Javé (Ex 34,6-7).

2. A CIDADE DA BÍBLIA

Como caminhar pela cidade da Bíblia sem nos perder? Conhecermos essa cidade vale a pena! Podemos conhecer como turista de passagem ou como morador que trabalha e se preocupa pela sua cidade e fica bem a vontade.

Quando visitamos uma cidade pela primeira vez ter um mapa ou um guia ajuda bastante. É mais fácil saber onde fica o Centro Histórico, o Pelô, o Mercado Modelo, onde se podem pegar os ônibus, como chegar e voltar. Nesse passeio podemos ver casas antigas que ficam ao lado de prédios modernos e ninguém confunde as duas coisas. Também na Bíblia encontramos textos bem antigos em arcabouços novos. Não podemos confundi-los!

Conhecer a história dessa cidade. Os monumentos históricos nos falam muito mais quando conhecemos as pessoas que participaram dessa história. Quando sabemos que pessoas foram fundadores (as), por que surgiu, os momentos marcantes da vida do povo, sua organização, suas lutas e resistências, seu projeto de vida e cidadania.

Descobrir nessa Cidade o Rosto do Deus da Vida. Não é fácil perceber Deus atuando na vida da gente. Como Deus estaria no meio de nós, nesses ônibus superlotados? Ou naquele corre-corre do dia-a-dia? Será que Deus está nas nossas cidades? Custa crer! Ao mesmo tempo, na cidade, tudo tem um sabor diferente quando encontramos algum rosto familiar.

Algo assim passa com a Bíblia. Podemos senti-la como coisa do passado, como pouco prática para uma "cidade" moderna e pensar que não se encontraria a vontade. Mas a Bíblia, mesmo tendo muito anos de história, é diferente. É como o vinho bom. Mais tempo passa, melhor é! Quem entende que o diga!
Talvez tenhamos que aguçar o nosso olhar para ver onde e como Deus está presente hoje. Para esse novo olhar a Bíblia nos oferece muitas dicas, aliás, "é colírio para os olhos", como comentava Mário de Colina Azul, ao terminar um curso sobre Apocalipse.

3. A BÍBLIA: "RAIOS-X". A BÍBLIA NOS LÊ!

Nós lemos a Bíblia e, ao mesmo tempo, a Bíblia nos lê! A Bíblia não somente nos oferece "fotografias" da nossa realidade, mas também nos dá uma "radiografia" do nosso mundo. Ela é critério de discernimento: mostra-nos o rumo a seguir, o jeito de viver e esperar. Ela denuncia os medos e as injustiças e anuncia boas notícias para os pobres e pequenos. Numa palavra, Ela é uma lamparina na caminhada!

A Bíblia, porém, deve estar ligada à Vida. Sozinha, isolada da vida e dos problemas não dá. A rede precisa de dois pregos para se sustentar: o prego da Vida e o prego da Bíblia. E a comunidade balançando no meio dessa dupla tensão: Vida-Bíblia.

4. FERMENTO NO BOLO! BÍBLIA NA VIDA!

Na travessia tudo se clareia; descobrimos o sentido da Bíblia. A presença discreta e terna de Deus ilumina o túnel dos conflitos, traz alegria e esperança. É uma lamparina na noite. É sal na feijoada.

Na vida há de tudo: pessoas com pressão alta de Bíblia e pressão baixa de Vida. Outras com pressão baixa de Bíblia e pressão alta de Vida. Cada pessoa deve ver qual é a dose exata! A Bíblia, porém, é e deve ser fermento no bolo da Vida.

Quero contar uma história que aconteceu em Pau da Lima, com um amigo da gente.

Era um sábado pela tarde. O curso de Bíblia estava para começar. Pe. João estava preparando um bolo de cenoura. Arrumou tudo direitinho. Leu a receita, misturou os ingredientes e colocou a fôrma no forno.
F
iquei sonhando a tarde toda com aquele bolo! Acabei o curso bíblico e fui visitar João. O bolo devia estar no ponto! Descendo a encosta chegava um cheirinho gostoso de fazer água na boca. E ai saiu aquele bolo! Cheirinho bom, danado de bom! Os olhos não aguentavam mais. "Favor, traga uma faca!" E ai uma surpresa: o bolo estava..., duro que só! Não dava nem para cortar!
"Aconteceu o quê, João?", perguntei. "Não sei, não!", disse João. "Coloquei todos os ingredientes como estava na receita. Mas parece que não deu certo". "E você colocou também fermento?", quis saber. "Fermento? Bom, fermento, na verdade... não. O fermento acabou!" concluiu ele.
As crianças chegaram como outras vezes..., e o bolo ficou e ficou por dias a fio. E ficou, também na memória, como testemunho eterno: bolo sem fermento vira cimento!

No duro da Vida, a Bíblia traz luz, força e energia. Experimente um minuto todo dia!

CEBI

Casa simples é o CEBI
Onde a gente vai moldando a vida,
E enxergando Deus no meio da História.

Graça amorosa,
Mergulho fundo.
É como areia movediça...
Que faz dos simples um agente de transformação.

Um mergulho tão fundo,
Que faz a gente se sentir gente
Que de repente clareia a vista
E ao mesmo tempo aquece
E se espalha como fogo no capim seco.

Curtição saborosa,
Paixão onde Deus, o pobre,
e a Palavra são parceiros do amor.

Convivência que não deixa a gente sentir frio,
Novidade ecumênica, aberta,
Beleza boa que não se pode explicar.

Ir Agostinha,

Por Trás da Palavra,
n.73 (1992) p. 22-23.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

BÍBLIA E COMPROMISSO NO MUNDO

Ter, 21 de Dezembro de 2010 12:45 | Escrito por Carlos Ayala Ramírez*

Recentemente, tivemos acesso à exortação apostólica "Verbum Domini", de Bento XVI sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja (11/11/2010), na qual recolhe as conclusões da assembleia especial da XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos.

O documento - que consta de uma introdução, três partes e uma conclusão - tem como fio condutor o seguinte postulado: "O Cristianismo não é uma religião do livro: o Cristianismo é a religião da Palavra de Deus, não de uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo". Compreender a palavra bíblica não como uma palavra distante, abstrata e alheia ao curso da história, mas como uma palavra encarnada que anima, inspira e interpela; coloca novamente a necessidade de unificar a fé com a vida.

A terceira parte do documento, intitulada "verbum mundo", sublinha o dever dos cristãos de anunciar a Palavra de Deus no mundo em que vivem. Recorda-se que esses (cristãos/cristãs) estão chamados a servir ao verbo de Deus nos irmãos mais sofridos. Concretamente, são assinalados nove aspectos desse serviço, dos quais enunciamos e resumimos cinco, que consideramos fundamentais para a vida de nossos povos:

Primeiro: o compromisso com a justiça na sociedade. Reconhece-se que a Palavra de Deus impulsiona os seres humanos a estabelecer relações animadas pela retidão e pela justiça; denuncia sem ambiguidades as injustiças; promove a solidariedade e a igualdade; nos leva ao compromisso a favor dos que sofrem e são vítimas do egoísmo, e reforça a afirmação dos direitos humanos de cada pessoa (nos. 100, 101).

Segundo: a reconciliação e a paz entre os povos. Propõe-se a necessidade de redescobrir a Palavra de Deus como fonte de reconciliação e paz; por isso, é inconcebível justificar intolerância ou guerras em nome de Deus ou da religião. Esta, ao contrário, deveria impulsionar um uso correto da razão e promover valores éticos que edificam a convivência civil (n. 102).

Terceiro: a caridade efetiva. O compromisso com a justiça, a reconciliação e a paz tem sua raiz última e seu cumprimento no amor que Cristo nos revelou; todos os crentes tem que compreender a necessidade de traduzir em gestos de amor a Palavra escutada, porque somente assim torna-se crível o anúncio do Evangelho. O amor constitui-se em uma espécie de critério de verdade sobre a seriedade com a qual tomamos a palavra de Deus. Por isso, afirma-se no documento que "aquele que acredita ter entendido as Escrituras, ou alguma parte delas, e com essa compreensão não edifica esse duplo amor de Deus e do próximo, ainda não as entendeu" (n. 103).

Quarto: evangelização e emigrantes. A missão evangelizadora da Igreja deve prestar atenção ao complexo fenômeno da emigração; os emigrantes têm o direito de escutar o kerigma que lhes deve ser proposto, mas nunca imposto. Como cristãos, necessitam de assistência pastoral adequada para reforçar sua fé e para que eles mesmos sejam portadores do anúncio evangélico. Os movimentos migratórios devem ser considerados uma ocasião para descobrir novas modalidades de presença e anúncio, e para que se proporcione uma adequada acolhida e animação aos que buscam refúgio, melhores condições de vida, saúde e trabalho (n. 105).

Quinto: anúncio da Palavra aos que sofrem. O ápice da proximidade de Deus com o sofrimento humano pode ser completado no próprio Jesus, que é a Palavra encarnada. Sofreu conosco e morreu. Com sua paixão e morte assumiu e transformou nossa debilidade até o fim. A proximidade de Jesus com os que sofrem não se interrompeu; mas prolonga-se no tempo pela ação do Espírito Santo na missão da Igreja, na Palavra e nos Sacramentos, nos quais homens e mulheres de boa vontade, nas atividades de assistência que as comunidades promovem com caridade fraterna, demonstrando, assim, o verdadeiro rosto de Deus e seu amor (n. 106).

Em cada um desses aspectos, ressalta-se a vontade de Deus de abrir e manter um diálogo com o ser humano (o Deus que fala). E ao Deus que fala, o ser humano responde com fé, entendida como a resposta responsável à proposta de Deus. Precisamente, os cinco aspectos que destacamos, dentre uma lista de nove, de certo modo, refletem essa resposta que deve ser dada a partir do mundo concreto, com seus problemas e expectativas, com suas angústias e esperanças. Um mundo que não devemos esquivar, mas transformar a partir da inspiração da Palavra de Deus.

O documento nos traz à memória o que Dom Óscar Romero dizia quando falava da Bíblia como uma de suas principais fontes de inspiração. Para ele, tomar contato com a Escritura significou pelo menos cinco coisas: lê-la, aprofundar nela; encarná-la, colocá-la em prática e comunicá-la. Lê-la porque "a Bíblia guarda em páginas a Palavra de Deus (16/07/1978). Aprofundá-la: "Estudo a Palavra de Deus que será lida a cada domingo" (20/08/1978). Encarná-la: "Não podemos segregar a Palavra de Deus da realidade histórica (27/11/1977). Colocá-la em prática: "Todo aquele que ouve a Palavra de Deus e a pratica, constrói sobre a rocha" (04/08/1978). Comunicá-la: (para que) "anime, ilumine, contraste, repudie, glorifique o que se está fazendo hoje em nossa sociedade" (27/11/1977).

Em suma, anunciar a Palavra de Deus no mundo, na vida, na história e na natureza, é um dos principais desafios que a exortação propõe, e esse foi um dos principais legados de Dom Romero. (Adital)

* O autor deste texto é Diretor da Rádio Ysuca

quarta-feira, 13 de abril de 2011

“VERBUM DOMINI”: UMA PRIMAVERA DA PALAVRA

Breve Apresentação da Exhortação Apostólica “Verbum Domini”

Na quinta-feira, dia 11 de novembro, foi apresentada na Santa Sé a exortação apostólica pós-sinodal do Papa Bento XVI, Verbum Domini. Na ocasião, interviram o cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos e relator geral do Sínodo, Dom Gianfranco Ravasi, presidente do Conselho Pontifício para a Cultura, Dom Nikola Eterović, secretário-geral do Sínodo, e Dom Fortunato Frezza, subsecretário.

O documento pontifício recolhe, assim o expressa o Papa na introdução, os frutos da XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja" (5-26 de Outubro de 2008).

A exortação apostólica chega finalmente, trás uma longa elaboração e espera demorada. Além de apresentar de maneira orgânica e completa o fruto de aquele Sínodo, a exortação pós-sinodal será um documento de base para toda a pastoral bíblica, ou melhor, ainda, para toda a Animação Bíblica da Pastoral nos próximos anos (n. 73).
A exortação apostólica recolhe as muitas reflexões e propostas surgidas durante o Sínodo dos Bispos sobre "A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja".

A partir daqui encontros e congressos ajudarão a compreender um documento chave, uma verdadeira primavera da Palavra, pois toca o coração da vida cristã e da missão da Igreja: “Com a XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus, estamos conscientes de nos termos debruçado de certo modo sobre o próprio coração da vida cristã, dando continuidade à assembleia sinodal anterior sobre a Eucaristia como fonte e ápice da vida e da missão da Igreja. De fato, a Igreja funda-se sobre a Palavra de Deus, nasce e vive dela. Ao longo de todos os séculos da sua história, o Povo de Deus encontrou sempre nela a sua força, e também hoje a comunidade eclesial cresce na escuta, na celebração e no estudo da Palavra de Deus. Há que reconhecer que, nas últimas décadas, a vida eclesial aumentou a sua sensibilidade relativamente a este tema, com particular referência à Revelação cristã, à Tradição viva e à Sagrada Escritura” (n. 3).


Já nos dias 2-4 de dezembro, na Universidade Urbaniana de Roma teve lugar o primeiro destes convênios, organizado tempestivamente pela Federação Bíblica Católica, e participaram expertos de várias universidades e competências, entre os quais Dom Gianfranco Ravasi e Enzo Bianchi, Prior do Mosteiro de Bose.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Mensagem dos Bispos do Brasil sobre a Palavra de Deus e a Animação Bíblica de toda a Pastoral

Dias virão em que o povo sentirá fome da Palavra (cf. Am 8,11)

Na 48ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, aprofundamos o tema da Palavra de Deus na Igreja. Enquanto aguardamos com muito carinho a Exortação Apostólica pós-sinodal do Papa Bento XVI, orientados pela mensagem do Sínodo, com as ricas contribuições de toda a Igreja sobre este tema, convidamos todas as comunidades a acolher este grande dom e a preparar o ânimo para uma recepção mais viva da Palavra de Deus. Assim, a Igreja no Brasil poderá ser, nesta mudança de época, anunciadora corajosa das riquezas da Palavra em estado permanente de missão em toda a sua ação evangelizadora.

No Prólogo do evangelho de São João, encontramos o anúncio que ilumina a vida do mundo inteiro: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus, e a Palavra era Deus... e a Palavra se fez carne” (Jo 1, 1.14). A Palavra se torna um de nós e pode ser vista, tem um nome e um rosto: é Jesus Cristo. Depois de percorrer as estradas da Palestina, encontrando todo tipo de pessoas e fazendo o bem, a Palavra feita carne se manifesta de forma mais eminente no Mistério Pascal. É o amor do Pai que, na glorificação do Filho, chega até nós pela força do Espírito.

Do lado aberto de Jesus nasce a Igreja, que, guiada pelo Espírito, começa a colocar por escrito a Palavra revelada, que não se esgota nos textos sagrados, mas continua no rio de vida que é a Tradição. Isso aconteceu, também, no Antigo Testamento quando a experiência da salvação deu origem, já no povo de Israel, aos textos sagrados. A Palavra, portanto, germina na vida da Igreja e é autenticamente interpretada por meio do Magistério do sucessor de Pedro e dos bispos em comunhão com ele. Esta Palavra, que é vida, continua viva nas comunidades cristãs.

Exortamos os discípulos e as discípulas de Jesus do nosso tempo a se deixarem alcançar pela palavra de seu Mestre. Como aos primeiros, lá na Palestina, Ele lhes dirigiu o olhar e a palavra (cf. Mt 4,18-22). Eles, ao ouvirem sua palavra, acolheram sua Pessoa: seguiram-no. Foi um começo. Muitas vezes, depois, tiveram que renovar os motivos para o seguimento. Naquelas situações, a Palavra do Senhor não lhes faltava: escutavam-no. Deixavam-se ensinar por Ele. E os discípulos amadureciam no seguimento e nos seus vínculos pessoais com o Senhor. Esta palavra continua viva na história e chegou até nós, na terra de Santa Cruz.

Louvemos a Deus por tudo o que se fez e se faz em nosso Brasil por meio do trabalho evangelizador com a Bíblia, desde o “movimento bíblico” já antes do Concílio Vaticano II, e com ele, e a partir dele, com a rica “pastoral bíblica”. A nossa Igreja no Brasil tornou-se mais atenta em acolher a Revelação do Senhor, mais animada em encontrar-se com a Palavra viva, que é Jesus Cristo, e mais profética e misericordiosa em servir a todos, especialmente aos mais fracos.

Deus suscita em nosso povo uma grande fome e sede da Palavra, uma grande procura e desejo de conhecer, viver e anunciar a mensagem da Sagrada Escritura. Este encantamento pela Palavra é um apelo para que, em nossas dioceses, paróquias e comunidades se ofereça e se facilite o acesso à Bíblia, ao estudo bíblico e a vivência da mensagem revelada.
Em continuidade com tudo que já se realiza, somos convidados a dar um novo passo. Trata-se de compreender que a Palavra de Deus é a alma de toda a ação evangelizadora da Igreja. Propõe-se uma verdadeira “Animação Bíblica da Pastoral”. Assim a Palavra de Deus contida na Sagrada Escritura suscita, forma e acompanha a vocação e a missão de cada discípulo missionário de Jesus Cristo e orienta as ações organizadas da Igreja. Dessa forma, além de ser “alma da teologia” (DV 24), a Palavra de Deus torna-se também a “alma da ação evangelizadora da Igreja” (DP 372; DAp 248).

Quando falamos da “Animação Bíblica da Pastoral”, propomos conhecer e assimilar mais a Revelação de Deus, em ter, mediante sua Palavra, um encontro pessoal e comunitário com o Senhor e sermos corajosos missionários do Reino de Deus. Por isso a “Animação Bíblica da Pastoral” deve tornar-se um verdadeiro aprendizado, por meio de um caminho de conhecimento e interpretação da Sagrada Escritura, caminho de comunhão e oração com o Senhor e caminho de evangelização e anúncio da Palavra de Deus, esperança para o nosso mundo (cf. DAp 248).

É hora, pois, de uma formação bíblica mais intensa, profunda, sistemática e corajosa; de um contínuo e fascinante contato com a Palavra de Deus, que é Jesus Cristo; de uma forte e vibrante ação evangelizadora a partir da Palavra de Deus.

Com a Bíblia na mão, a Palavra de Deus no coração e com os pés na missão, somos convocados à prática da Leitura Orante. Feita com todo empenho em nível pessoal e comunitário, ela vai nos educar na fé proporcionando uma catequese bíblica, que forma discípulos apaixonados por Jesus Cristo. Ela nos leva a celebrar a esperança na liturgia, que dispõe para plena comunhão com Deus, que se realiza na Eucaristia. Ela, enfim, fortalece-nos na missão de anunciar a Palavra a todos os povos por meio de uma caridade criativa. Quando pessoas e comunidades são transformadas pela Palavra, multiplicam-se na Igreja e na sociedade frutos de amor, solidariedade, justiça e paz.

Convidamos todas as Igrejas particulares, com suas pastorais, movimentos, organismos, associações, novas comunidades, círculos bíblicos, grupos de família e outras expressões comunitárias, a fazer um verdadeiro mutirão de Leitura Orante em seus diversos métodos, entre os quais se destaca a Lectio Divina.

Deixemo-nos cativar pela Palavra. Ela faz arder nossos corações, abrir nossas mãos e torna velozes os nossos pés na missão. Maria, modelo perfeito de acolhida e de seguimento da Palavra nos acompanhe na escuta orante e na dedicação generosa ao anúncio da Palavra a partir do testemunho da nossa vida.

Brasília, 12 de maio de 2010

Dom Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo de Mariana
Presidente da CNBB

Dom Luiz Soares Vieira
Arcebispo de Manaus
Vice-Presidente da CNBB

Dom Dimas Lara Barbosa
Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro
Secretário-Geral da CNBB

Fonte:CNBB

quinta-feira, 31 de março de 2011

MUTIRÃO PELA VIDA: NOVO JEITO DE LER A BÍBILIA

Introdução

Nessas páginas, que foram publicadas pelo boletim Anúncio & ação da Paróquia Nossa Sra. do Resgate – Cabula, Salvador/BA, queremos aprofundar juntos a Palavra de Deus que a Bíblia nos comunica. A Bíblia vai ser o nosso espelho, onde contemplarmos o Rosto de Deus e, ao mesmo tempo, os dons e a missão que Deus colocou no coração de cada pessoa e comunidade.

Mutirão pela Vida

Quer ser um mutirão de mãos dadas, solidárias, amigas, irmãs, à procura de vida, de mais Vida para todos (Jo 10,10). Um contar com a ajuda do irmão, da irmã, de companheiros e companheiras de caminhada: algo assim como um "Café Bíblico", onde as pessoas (crianças, jovens, adultos) se encontram para "cavar juntos esse poço e beber da Palavra". Quem não entende, pergunta e quem sabe alguma coisa, partilha. Algo assim como aquele encontro do etíope com Filipe (At 8,26-39). Seria lindo, encontrarmos duplas ou pequenos grupos que sentam e juntos aprofundam a Palavra de Deus e iluminam a Vida do dia-a-dia. Por isso, Mutirão pela Vida.

Um novo jeito de lermos a Bíblia

Pretende ser também um novo jeito de ler a Bíblia: com olhar novo, com coração novo; com o olhar sempre novo e desafiador de Jesus que veio trazer a Boa Notícia para os pobres (Lc 4,16-30; 7,22) e com eles se identifica (Mt 25, 31-46). E tudo isso, para que aos últimos e pequenos, homens e mulheres, seja revelado o Rosto do Pai (Mt 11,25) com grande alegria para Jesus e para as comunidades que hoje seguem as pegadas de Jesus e assumem a sua prática e a sua missão. Grande desafio para todos nós!

TRÊS IMAGENS DA BÍBLIA

Em primeiro lugar, sabemos que a Bíblia não caiu do céu já prontinha e feita. Deus não entregou a Bíblia de presente, num pacote bem embrulhado, mesmo que poderia ter feito. Ele podia, mas não o fez. Tanto é assim que temos imagens bem diferentes da Bíblia e de como ela se formou. Vejamos algumas dessas imagens: três!

1. A Bíblia, fita de vídeo

A Bíblia seria como uma fita de vídeo dos acontecimentos todos desde o início da criação (Gênesis) até à Cidade Nova, o Novo Quilombo: a Nova Jerusalém (Ap 21-22).
A Bíblia toda seria um documento histórico, em primeiro lugar. Já houve pessoas que alertaram para esse tipo de leitura e a dificuldade para interpretar, do ponto de vista histórico, passagens do Êxodo ou Josué.
Dessa imagem ou de outras semelhantes, segue-se um jeito de interpretar a Bíblia: Pegar tudo ao pé da letra.
Muitas páginas já se escreveram sobre isso. Para algumas pessoas a dificuldade maior, na hora de interpretar a Bíblia, seria como saber quando pegar ao pé da letra - mesmo que a letra não tenha pé!- e quando não!

2. Bíblia vista como farmácia

A Bíblia é vista, às vezes, como uma farmácia. Chega lá e apenas olhar o título sobre a porta: Toda coisa lá dentro é a mesma coisa. Tudo, pra nós, é remédio, simplesmente remédio e mais nada. Pedimos o remédio que está na receita e acabou!
Fazendo assim, acaba-se matando a memória plural e popular de séculos de história; aquela memória de caminhada que o Povo de Deus nos deixou em herança.
A Bíblia é a rica experiência de um povo que estava convencido de que nos acontecimentos Deus estava moldando o seu destino. Deus lhe confia uma missão, com grande horizonte pela frente, mesmo que o povo mostre, às vezes, uma visão interesseira e curta.

3. Bíblia, "um pão muito grande!"

Algumas pessoas foram acostumadas a ler a Bíblia pegando um pedacinho cá, outro lá. Lêem apenas alguns trechinhos: Pegam pequenas migalhas, como se de um grande pão se tratasse!
Esta maneira de ler não é só de hoje. É muito antiga. Tem muitos admiradores. Quem gosta de ler só o Novo Testamento; outro só alguns trechos do Antigo Testamento. Outros preferem ler só o Apocalipse ou frases escolhidas por sorte, fechando os olhos... ou de qualquer outro jeito.
Contava-me um amigo. "Eu fecho os olhos, abro a Bíblia e lá vou eu!" Mas uma vez esse meu amigo abriu o Evangelho e pegou aquele trecho da morte de Judas: "... e Judas foi e enforcou-se!".
Acabada aquela leitura repitiu a dose e do mesmo jeito: fechou os olhos, se concentrou e abriu de novo o evangelho: pegou o finzinho de algo desconhecido: "Vá agora e faça a mesma coisa!".
Meu amigo tomou um susto tal que nunca mais repetiu a metodologia acostumada.
Você já contou história para criança começando pela metade? Você já escutou piada omitindo o final? E por que fazer isso com a Palavra de Deus?
Dessas várias imagens ou visões da Bíblia, seguem-se "leituras" e "práticas" pastorais concretas que não levam em conta toda a complexidade e riqueza da Palavra de Deus.
Aos poucos, vamos ver tudo isso. Fique acompanhando!