quinta-feira, 14 de abril de 2011

BÍBLIA E COMPROMISSO NO MUNDO

Ter, 21 de Dezembro de 2010 12:45 | Escrito por Carlos Ayala Ramírez*

Recentemente, tivemos acesso à exortação apostólica "Verbum Domini", de Bento XVI sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja (11/11/2010), na qual recolhe as conclusões da assembleia especial da XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos.

O documento - que consta de uma introdução, três partes e uma conclusão - tem como fio condutor o seguinte postulado: "O Cristianismo não é uma religião do livro: o Cristianismo é a religião da Palavra de Deus, não de uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo". Compreender a palavra bíblica não como uma palavra distante, abstrata e alheia ao curso da história, mas como uma palavra encarnada que anima, inspira e interpela; coloca novamente a necessidade de unificar a fé com a vida.

A terceira parte do documento, intitulada "verbum mundo", sublinha o dever dos cristãos de anunciar a Palavra de Deus no mundo em que vivem. Recorda-se que esses (cristãos/cristãs) estão chamados a servir ao verbo de Deus nos irmãos mais sofridos. Concretamente, são assinalados nove aspectos desse serviço, dos quais enunciamos e resumimos cinco, que consideramos fundamentais para a vida de nossos povos:

Primeiro: o compromisso com a justiça na sociedade. Reconhece-se que a Palavra de Deus impulsiona os seres humanos a estabelecer relações animadas pela retidão e pela justiça; denuncia sem ambiguidades as injustiças; promove a solidariedade e a igualdade; nos leva ao compromisso a favor dos que sofrem e são vítimas do egoísmo, e reforça a afirmação dos direitos humanos de cada pessoa (nos. 100, 101).

Segundo: a reconciliação e a paz entre os povos. Propõe-se a necessidade de redescobrir a Palavra de Deus como fonte de reconciliação e paz; por isso, é inconcebível justificar intolerância ou guerras em nome de Deus ou da religião. Esta, ao contrário, deveria impulsionar um uso correto da razão e promover valores éticos que edificam a convivência civil (n. 102).

Terceiro: a caridade efetiva. O compromisso com a justiça, a reconciliação e a paz tem sua raiz última e seu cumprimento no amor que Cristo nos revelou; todos os crentes tem que compreender a necessidade de traduzir em gestos de amor a Palavra escutada, porque somente assim torna-se crível o anúncio do Evangelho. O amor constitui-se em uma espécie de critério de verdade sobre a seriedade com a qual tomamos a palavra de Deus. Por isso, afirma-se no documento que "aquele que acredita ter entendido as Escrituras, ou alguma parte delas, e com essa compreensão não edifica esse duplo amor de Deus e do próximo, ainda não as entendeu" (n. 103).

Quarto: evangelização e emigrantes. A missão evangelizadora da Igreja deve prestar atenção ao complexo fenômeno da emigração; os emigrantes têm o direito de escutar o kerigma que lhes deve ser proposto, mas nunca imposto. Como cristãos, necessitam de assistência pastoral adequada para reforçar sua fé e para que eles mesmos sejam portadores do anúncio evangélico. Os movimentos migratórios devem ser considerados uma ocasião para descobrir novas modalidades de presença e anúncio, e para que se proporcione uma adequada acolhida e animação aos que buscam refúgio, melhores condições de vida, saúde e trabalho (n. 105).

Quinto: anúncio da Palavra aos que sofrem. O ápice da proximidade de Deus com o sofrimento humano pode ser completado no próprio Jesus, que é a Palavra encarnada. Sofreu conosco e morreu. Com sua paixão e morte assumiu e transformou nossa debilidade até o fim. A proximidade de Jesus com os que sofrem não se interrompeu; mas prolonga-se no tempo pela ação do Espírito Santo na missão da Igreja, na Palavra e nos Sacramentos, nos quais homens e mulheres de boa vontade, nas atividades de assistência que as comunidades promovem com caridade fraterna, demonstrando, assim, o verdadeiro rosto de Deus e seu amor (n. 106).

Em cada um desses aspectos, ressalta-se a vontade de Deus de abrir e manter um diálogo com o ser humano (o Deus que fala). E ao Deus que fala, o ser humano responde com fé, entendida como a resposta responsável à proposta de Deus. Precisamente, os cinco aspectos que destacamos, dentre uma lista de nove, de certo modo, refletem essa resposta que deve ser dada a partir do mundo concreto, com seus problemas e expectativas, com suas angústias e esperanças. Um mundo que não devemos esquivar, mas transformar a partir da inspiração da Palavra de Deus.

O documento nos traz à memória o que Dom Óscar Romero dizia quando falava da Bíblia como uma de suas principais fontes de inspiração. Para ele, tomar contato com a Escritura significou pelo menos cinco coisas: lê-la, aprofundar nela; encarná-la, colocá-la em prática e comunicá-la. Lê-la porque "a Bíblia guarda em páginas a Palavra de Deus (16/07/1978). Aprofundá-la: "Estudo a Palavra de Deus que será lida a cada domingo" (20/08/1978). Encarná-la: "Não podemos segregar a Palavra de Deus da realidade histórica (27/11/1977). Colocá-la em prática: "Todo aquele que ouve a Palavra de Deus e a pratica, constrói sobre a rocha" (04/08/1978). Comunicá-la: (para que) "anime, ilumine, contraste, repudie, glorifique o que se está fazendo hoje em nossa sociedade" (27/11/1977).

Em suma, anunciar a Palavra de Deus no mundo, na vida, na história e na natureza, é um dos principais desafios que a exortação propõe, e esse foi um dos principais legados de Dom Romero. (Adital)

* O autor deste texto é Diretor da Rádio Ysuca

quarta-feira, 13 de abril de 2011

“VERBUM DOMINI”: UMA PRIMAVERA DA PALAVRA

Breve Apresentação da Exhortação Apostólica “Verbum Domini”

Na quinta-feira, dia 11 de novembro, foi apresentada na Santa Sé a exortação apostólica pós-sinodal do Papa Bento XVI, Verbum Domini. Na ocasião, interviram o cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos e relator geral do Sínodo, Dom Gianfranco Ravasi, presidente do Conselho Pontifício para a Cultura, Dom Nikola Eterović, secretário-geral do Sínodo, e Dom Fortunato Frezza, subsecretário.

O documento pontifício recolhe, assim o expressa o Papa na introdução, os frutos da XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja" (5-26 de Outubro de 2008).

A exortação apostólica chega finalmente, trás uma longa elaboração e espera demorada. Além de apresentar de maneira orgânica e completa o fruto de aquele Sínodo, a exortação pós-sinodal será um documento de base para toda a pastoral bíblica, ou melhor, ainda, para toda a Animação Bíblica da Pastoral nos próximos anos (n. 73).
A exortação apostólica recolhe as muitas reflexões e propostas surgidas durante o Sínodo dos Bispos sobre "A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja".

A partir daqui encontros e congressos ajudarão a compreender um documento chave, uma verdadeira primavera da Palavra, pois toca o coração da vida cristã e da missão da Igreja: “Com a XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus, estamos conscientes de nos termos debruçado de certo modo sobre o próprio coração da vida cristã, dando continuidade à assembleia sinodal anterior sobre a Eucaristia como fonte e ápice da vida e da missão da Igreja. De fato, a Igreja funda-se sobre a Palavra de Deus, nasce e vive dela. Ao longo de todos os séculos da sua história, o Povo de Deus encontrou sempre nela a sua força, e também hoje a comunidade eclesial cresce na escuta, na celebração e no estudo da Palavra de Deus. Há que reconhecer que, nas últimas décadas, a vida eclesial aumentou a sua sensibilidade relativamente a este tema, com particular referência à Revelação cristã, à Tradição viva e à Sagrada Escritura” (n. 3).


Já nos dias 2-4 de dezembro, na Universidade Urbaniana de Roma teve lugar o primeiro destes convênios, organizado tempestivamente pela Federação Bíblica Católica, e participaram expertos de várias universidades e competências, entre os quais Dom Gianfranco Ravasi e Enzo Bianchi, Prior do Mosteiro de Bose.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Mensagem dos Bispos do Brasil sobre a Palavra de Deus e a Animação Bíblica de toda a Pastoral

Dias virão em que o povo sentirá fome da Palavra (cf. Am 8,11)

Na 48ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, aprofundamos o tema da Palavra de Deus na Igreja. Enquanto aguardamos com muito carinho a Exortação Apostólica pós-sinodal do Papa Bento XVI, orientados pela mensagem do Sínodo, com as ricas contribuições de toda a Igreja sobre este tema, convidamos todas as comunidades a acolher este grande dom e a preparar o ânimo para uma recepção mais viva da Palavra de Deus. Assim, a Igreja no Brasil poderá ser, nesta mudança de época, anunciadora corajosa das riquezas da Palavra em estado permanente de missão em toda a sua ação evangelizadora.

No Prólogo do evangelho de São João, encontramos o anúncio que ilumina a vida do mundo inteiro: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus, e a Palavra era Deus... e a Palavra se fez carne” (Jo 1, 1.14). A Palavra se torna um de nós e pode ser vista, tem um nome e um rosto: é Jesus Cristo. Depois de percorrer as estradas da Palestina, encontrando todo tipo de pessoas e fazendo o bem, a Palavra feita carne se manifesta de forma mais eminente no Mistério Pascal. É o amor do Pai que, na glorificação do Filho, chega até nós pela força do Espírito.

Do lado aberto de Jesus nasce a Igreja, que, guiada pelo Espírito, começa a colocar por escrito a Palavra revelada, que não se esgota nos textos sagrados, mas continua no rio de vida que é a Tradição. Isso aconteceu, também, no Antigo Testamento quando a experiência da salvação deu origem, já no povo de Israel, aos textos sagrados. A Palavra, portanto, germina na vida da Igreja e é autenticamente interpretada por meio do Magistério do sucessor de Pedro e dos bispos em comunhão com ele. Esta Palavra, que é vida, continua viva nas comunidades cristãs.

Exortamos os discípulos e as discípulas de Jesus do nosso tempo a se deixarem alcançar pela palavra de seu Mestre. Como aos primeiros, lá na Palestina, Ele lhes dirigiu o olhar e a palavra (cf. Mt 4,18-22). Eles, ao ouvirem sua palavra, acolheram sua Pessoa: seguiram-no. Foi um começo. Muitas vezes, depois, tiveram que renovar os motivos para o seguimento. Naquelas situações, a Palavra do Senhor não lhes faltava: escutavam-no. Deixavam-se ensinar por Ele. E os discípulos amadureciam no seguimento e nos seus vínculos pessoais com o Senhor. Esta palavra continua viva na história e chegou até nós, na terra de Santa Cruz.

Louvemos a Deus por tudo o que se fez e se faz em nosso Brasil por meio do trabalho evangelizador com a Bíblia, desde o “movimento bíblico” já antes do Concílio Vaticano II, e com ele, e a partir dele, com a rica “pastoral bíblica”. A nossa Igreja no Brasil tornou-se mais atenta em acolher a Revelação do Senhor, mais animada em encontrar-se com a Palavra viva, que é Jesus Cristo, e mais profética e misericordiosa em servir a todos, especialmente aos mais fracos.

Deus suscita em nosso povo uma grande fome e sede da Palavra, uma grande procura e desejo de conhecer, viver e anunciar a mensagem da Sagrada Escritura. Este encantamento pela Palavra é um apelo para que, em nossas dioceses, paróquias e comunidades se ofereça e se facilite o acesso à Bíblia, ao estudo bíblico e a vivência da mensagem revelada.
Em continuidade com tudo que já se realiza, somos convidados a dar um novo passo. Trata-se de compreender que a Palavra de Deus é a alma de toda a ação evangelizadora da Igreja. Propõe-se uma verdadeira “Animação Bíblica da Pastoral”. Assim a Palavra de Deus contida na Sagrada Escritura suscita, forma e acompanha a vocação e a missão de cada discípulo missionário de Jesus Cristo e orienta as ações organizadas da Igreja. Dessa forma, além de ser “alma da teologia” (DV 24), a Palavra de Deus torna-se também a “alma da ação evangelizadora da Igreja” (DP 372; DAp 248).

Quando falamos da “Animação Bíblica da Pastoral”, propomos conhecer e assimilar mais a Revelação de Deus, em ter, mediante sua Palavra, um encontro pessoal e comunitário com o Senhor e sermos corajosos missionários do Reino de Deus. Por isso a “Animação Bíblica da Pastoral” deve tornar-se um verdadeiro aprendizado, por meio de um caminho de conhecimento e interpretação da Sagrada Escritura, caminho de comunhão e oração com o Senhor e caminho de evangelização e anúncio da Palavra de Deus, esperança para o nosso mundo (cf. DAp 248).

É hora, pois, de uma formação bíblica mais intensa, profunda, sistemática e corajosa; de um contínuo e fascinante contato com a Palavra de Deus, que é Jesus Cristo; de uma forte e vibrante ação evangelizadora a partir da Palavra de Deus.

Com a Bíblia na mão, a Palavra de Deus no coração e com os pés na missão, somos convocados à prática da Leitura Orante. Feita com todo empenho em nível pessoal e comunitário, ela vai nos educar na fé proporcionando uma catequese bíblica, que forma discípulos apaixonados por Jesus Cristo. Ela nos leva a celebrar a esperança na liturgia, que dispõe para plena comunhão com Deus, que se realiza na Eucaristia. Ela, enfim, fortalece-nos na missão de anunciar a Palavra a todos os povos por meio de uma caridade criativa. Quando pessoas e comunidades são transformadas pela Palavra, multiplicam-se na Igreja e na sociedade frutos de amor, solidariedade, justiça e paz.

Convidamos todas as Igrejas particulares, com suas pastorais, movimentos, organismos, associações, novas comunidades, círculos bíblicos, grupos de família e outras expressões comunitárias, a fazer um verdadeiro mutirão de Leitura Orante em seus diversos métodos, entre os quais se destaca a Lectio Divina.

Deixemo-nos cativar pela Palavra. Ela faz arder nossos corações, abrir nossas mãos e torna velozes os nossos pés na missão. Maria, modelo perfeito de acolhida e de seguimento da Palavra nos acompanhe na escuta orante e na dedicação generosa ao anúncio da Palavra a partir do testemunho da nossa vida.

Brasília, 12 de maio de 2010

Dom Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo de Mariana
Presidente da CNBB

Dom Luiz Soares Vieira
Arcebispo de Manaus
Vice-Presidente da CNBB

Dom Dimas Lara Barbosa
Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro
Secretário-Geral da CNBB

Fonte:CNBB