sábado, 23 de julho de 2011

“Espiritualidade em defesa da vida: Ecologia e Emancipação Humana”

XI CURSO DE VERÃO NA TERRA DO SOL

MANIFESTO DA ESPERANÇA NA RESISTÊNCIA

No período de 10 a 18 de julho de 2011, o Mutirão do Curso de Verão na Terra do Sol trabalhou, coletivamente, a temática “Espiritualidade em Defesa da Vida: Ecologia e Emancipação Humana”. Esta jornada de nove dias de reflexão bíblica-teológica e de educação política popular, onde vivenciamos fé e vida, contou com 122 participantes, reunindo cursistas, monitores, assessores e equipes de trabalho, provenientes de muitas localidades do Nordeste e de outras regiões do país: Ceará, Maranhão, Bahia, Pernambuco, Paraiba, Rio Grande do Norte, Piauí, Amazonas, Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina.

Neste ano, tivemos, como fundamento e inspiração bíblica, o Apocalipse, livro profético de denúncia radical que funda e alimenta a resistência face à lógica dominante. Em nossa linguagem nordestina, é o livro da “teimosia da esperança do mandacarú” que proclama a Vitória, em um Cântico de Aleluia.

O Apocalipse encarna o confronto de duas lógicas: a lógica dominante do Império que, na sua beleza e sedução, esconde o Dragão e a Besta-Fera que querem submeter o povo, trazendo extermínio e morte; a lógica da emancipação que se revela na construção de uma nova sociedade de igualdade, de justiça e de liberdade, fundada na vitória do Cordeiro. Assim, o Apocalipse interpela a opção de cada um/ de cada uma: seguir a lógica da Besta, deixando-se iludir e seduzir pelo projeto da morte (os “abestados”); seguir a lógica do Cordeiro, abrindo-se para correr todos os riscos, inclusive o de perder a vida, no confronto com o Império, na convicção da vitória da vida plena (os “degolados”).

Inspirados nas luzes do Apocalipse, refletimos sobre este confronto fundamental da morte e da vida no mundo que vivemos, no interior da civilização do capital, em vigor nos últimos quatro/cinco séculos. Esta civilização, regida pela acumulação, encarna o Dragão do Apocalipse, a seduzir o povo, no tempo presente, através da mercantilização, do consumismo e do individualismo, gerando uma sociedade profundamente excludente. Em suas contradições e paradoxos, esta civilização dominante destrói a Vida no Planeta, nos
processos sem limites de expansão do capital, violentando a Natureza e os Homens e Mulheres. Assim, hoje, mergulhamos em uma crise estrutural deste padrão de civilização que revela a sua insustentabilidade. Na verdade, é uma crise ético-política que toca o cerne do sentido da vida humana.

Esta crise revela-se com clareza no campo da Ecologia, mostrando-se nos efeitos perversos de destruição que atingem o meio-ambiente e bilhões de seres humanos, difundindo a lógica do extermínio e da morte!.

No contexto da crise estrutural da civilização do capital, impõe-se, como desafio do nosso tempo histórico, a construção de uma outra forma de organizar a Vida no Planeta, apontando para a Emancipação Humana, no sentido de romper com esta lógica ilimitada e destrutiva do capital, a gerar incertezas, instabilidades e riscos globais. Esta lógica a ser confrontada e rompida, está concretamente materializada na visão de desenvolvimento que prioriza o crescimento econômico permanente a desconsiderar a natureza e as necessidades humanas. É preciso construir um modelo de civilização fundado na sustentabilidade da vida!

Neste nosso Mutirão do Curso de Verão, assumimos a Emancipação Humana como Horizonte e como Processo. Isso significa incorporar a Emancipação como sentido de Vida e de Luta, na construção de uma sociedade para além do capital e de todas as formas de opressão, priorizando o Bem-Viver de homens e mulheres e articulando Justiça Ecológica e Justiça Social. Exige construir de forma persistente, na vida de cada dia, a Emancipação através da ação coletiva de grupos, comunidades e movimento sociais, rejeitando as ilusões e seduções do sistema do capital e seus tentáculos que hoje quer tudo absorver. É concretamente a criação de uma rede de resistências na defesa da vida.

Na criação destes espaços de vida, focalizamos este ano as Lutas Ecológicas na perspectiva de uma Ecologia integral, dentro de uma visão holística que reúne homens, mulheres e natureza em uma totalidade, enfrentando experessões de extermínio que estão presentes nas diferentes localidades do Nordeste e nas distintas regiões deste país, bem configuradas na sondagem e nos depoimentos dos cursistas.

Impõe-se O QUE FAZER para enfrentar esta lógica de morte e afirmar a vida plena. Na reflexão coletiva coletiva dos cursistas foram apontados CAMINHOS:


• Conhecer a realidade que vivemos, buscando fontes de informação que “lancem luzes em campos de sombra”. Neste sentido, destaca-se a exigência de formação de Grupos de Estudo e realização de seminários;
• Profetizar e denunciar rompendo o silêncio imposto e fazendo ouvir nossa voz;
• Trabalhar para que nossas Igrejas em suas práticas pastorais, sejam coerentes na defesa, no cuidado à natureza e ao Bem-Viver de homens, mulheres e natureza;
• Articular lutas e experiências, criando teias em redes de combate à crise ecológica que trabalhem na mesma direção emancipatória;
• Investir em processos de educação de crianças e jovens na formação de uma consciência crítica das novas gerações;
• Participar na formulação, execução e controle das políticas públicas no apoio aos interesses das comunidades, atuando nos conselhos e em outros instrumentos participativos;
• Trabalhar de diferentes formas para a permanência dos homens e mulheres no campo, em condições dignas de vida e de trabalho;
• Fortalecer as lutas dos Movimentos Sociais para frear e impedir a destruição da Natureza, particularmente em relação à depredação das mineradoras e expansão do agronegócio;
• Usar amplamente os Meios de Comunicação Alternativos, como sites, blogs e rádios comunitárias para fortalecer as lutas emancipatórias;
• Resgatar valores, costumes e práticas das comunidades tradicionais que apontam para outro modo de organizar a vida.

Sigamos para o mundo com o coração aquecido pelo Sol do nosso Mutirão do CURSO DE VERÃO!!!

segunda-feira, 11 de julho de 2011

BÍBLIA: TODO UM MAR PARA SURFAR

É bom escutar como as pessoas leem a Bíblia. Descobre-se tanta coisa bonita! Por isso a partir daqui convido você que está lendo estas páginas a partilhar a sua leitura e vivência da Palavra de Deus. Diga onde você encontra água para a sua sede, e o seu modo de atingi-la.
Pode pensar que são pequenas coisas e que a ninguém interessa. Tente escrever dez ou quinze linhas e envie. Verá que maravilha está acontecendo no meio de nós. Jesus disse que era para proclamar a Boa Notícia sobre os telhados.
Vamos fazer, então, um grande mutirão para nos ajudarmos a crescer no serviço aos pobres, na comunidade, na missão, na luta pela vida, pela justiça e pela paz.

SURFISTA DO EVANGELHO

Neste ano, o Evangelho de Mateus vai ser a minha praia. Por falar em praia, eu gosto é da praia de Piatã. Isso é praia! Já viu segunda-feira? Piatã é uma delícia. Vai encontrar pouco pessoal, caminhando, jogando bola, sentado, deitado, criança brincando de gente grande, homem e mulher feito criança, construindo castelos na areia.

Eu gosto é de praia, como gosto dos Evangelhos. Essa é uma de minhas praias favoritas. O Evangelho de Lucas: que coisa linda! E o de Marcos, nem me fale. Mas eu decidi que a minha onda vai ser Mateus. Existem mil motivos para frequentar essa praia. Alguns consideram esse evangelho como o mais eclesial: fala do jeito de ser comunidade, de viver, de celebrar, de ser seguidores e seguidoras de Jesus, de oferecer o perdão se for o caso.
Traz também ar de pão cozido, de trabalhadores cansados de esperar na praça, de mulheres fadigadas, de multidões de pobres, de tentações, de sonhos, de tanta coisa. Há muita sabedoria e mensagem nesse baú.

– Eu já ouvi falar nisso. Que tem muito discurso. Que esse evangelho quer mesmo é ensinar.

– É uma boa notícia para os pobres e pequenos. Eu acho esse Evangelho lindo, lindo, lindo. Lindo mesmo!

– E de Jesus de Nazaré também fala um bocado!

Claro, nesse tecido tem fios e fios de muitas cores e tamanhos. E Jesus Cristo é um fio de rio de grande correnteza no Evangelho de Mateus. Jesus e a comunidade. Tudo isso está lá e muito mais. Tem tanto segredo nessa mata, aliás, nessa praia!

Você acha que conhece, porque passou por lá várias vezes, e coisíssima nenhuma. As pegadas que você deixou, o dia seguinte não encontra mais. Caminha e caminha e a praia é sempre nova. O céu, diferente. O mar, mais alegre e revitalizador. Faz sonhar acordado!

Praia coisa linda que só! Praia, dom de Deus! Evangelho de Mateus, presente de Deus. Memória de Jesus e das comunidades. Memória da missão dos pobres!

– Ué! Os pobres têm missão?

– Só faltava essa! Que os pobres já não tivessem nem missão. Não têm casa, nem pão, nem terra, nem salário. Tiraram deles a cultura, quase que a vida arrancaram e, agora, querem tirar também a missão? Mas não vão poder tirar o que Deus lhes confiou: a eles pertence!

SURFISTA? SIM

Venha a curtir uma praia comigo. Não me entenda mal. Não é que eu seja doente por praia. Nasci no interior, num povoado de quarenta famílias. Mas meus olhos se acostumaram a estas praias e decidi ser surfista.

– Mas você, logo você que mal sabe nadar.

– Pois é, mal sei nadar, mas por isso é que não sou do mar. O mar me respeita, e eu tenho respeito por ele. Respeito e medo. Mas gosto é de surfar. Minha prancha é de boa qualidade e com o passar do tempo a confiança aumenta. Tenho maior intimidade. Somos mais amigos. Dentro do possível, porque o mar, como a vida e o evangelho, tem muito segredo!
– E o Evangelho de Mateus também. Dá pra surfar o ano todo: uma delícia de mar! Quanto você mais avança maior é a alegria de nadar, de surfar, de brincar com ondas. Você e a prancha e a onda viram uma coisa só, junto com o vento e o sol. Um milagre em movimento!

Quando você quer reter a onda, ai não dá. A onda chega na praia e já era! Bateu no chão! Tem que se deixar levar pelas ondas, e driblar, e brincar na gratuidade do vento que vem e para quando quer.

Algo assim é o Evangelho de Mateus. É coisa linda para as crianças: podem brincar na praia e sentir a presença do Amigo que fala com tanta paixão das crianças que até os adultos querem virar crianças para entrar no Reino de Deus. E aí o sonho de Jesus se realiza. E Jesus grita de alegria vendo tanta coisa boa: "Eu te louvo, Painho, porque tem tanta criança na praia, curtindo a partilha, a solidariedade, e essa presença do Abbá (painho/mainha), que brinca com eles o dia todo (Mt 11,25).

E tem surfista que joga e descobre o risco e o rosto de Cristo. E se adentra descobrindo outras praias e outros mares e percebe a missão das comunidades. E fica a mercê do Vento, por caminhos novos. Sempre em movimento, guiado pelo Vento! Sob a proteção da mão de Deus que segura a prancha e você, quando o cansaço chega.

Entrar, entrar no mar como o surfista. Quantas vezes? Só o mar e Deus é que sabem! Entrar e voltar... Começar e recomeçar.

– Mas, por onde?

– Geralmente, pelo começo, mas você vai se deliciar se começar pelo fim. Faça a prova. Leia o capítulo 28 de Mateus, inteirinho e devagarinho... com tudo aquilo que já sabe de Jesus. Você já sabe muita coisa de Jesus. De hoje que está na comunidade!

Acolha a novidade. As surpresas vão chegar e Deus vai lhe inspirar o resto para continuar surfando. Outra onda vai devolvê-lo à praia. E manda começar tudo na Galileia, por onde Jesus começou. (Pode ler do capítulo 3 em diante). A terceira vez, vai fazer a caminhada pelo evangelho todo: desde o começo, seguindo Jesus, junto com os discípulos e discípulas, ouvindo o Sermão do Monte, a mensagem das Bem-aventuranças, a opção radical pelo Reino (Mt 6,33), sentindo o chamado e o estilo de Jesus como uma provocação que invita a ir para a frente, apesar das pedras no caminho, sendo comunidades que acolhem os pequenos e os últimos e se perguntando mil coisas (Mt 18).

Algumas perguntas são tão parecidas com as nossas: "Quem é o maior no Reino de Deus? Quantas vezes devo perdoar?" Mas outras são tão diferentes, tão originais. Só podem ser nossas.

Veja, no entanto, qual é a resposta e a proposta sempre nova de Jesus. Uma coisa é saber, outra é viver e praticar. E oferecer o perdão de coração. O perdão e o amor renovam o coração e a comunidade. Trazem a vida nova de Deus, uma Boa Notícia, Evangelho para nós!

Continue surfando! Vai encontrar muita novidade vivendo a palavra do Evangelho no horizonte dos mares todos, dos oceanos todos debaixo do céu. Ele, o Senhor da missão, envia evangelizadores e acompanha o trabalho: "Ele, Emanuel, – Deus conosco" (Mt 1,23) – está surfando ao nosso lado na praia do dia-a-dia, sem cansar, presente onde dois ou três estão reunidos em seu Nome (Mt 18,20) e acompanha cada dia na missão até o fim dos tempos! (Mt 28,20).

No horizonte onde o mar se junta com o céu, lá é uma delícia, é o Reino de Deus acontecendo. Venha curtir essa praia e fazer discípulos e discípulas de todas as nações. Venha realizar sua missão e se alegrar nesse ano de graça do Senhor. Venha surfar!