Você, começou a surfar? Continue. Se não começou, está na hora! Vamos aprofundar o livro de Jó. Como ele, as pessoas ficam confusas, diante do sofrimento do justo, e se perguntam: existe uma resposta? Existe. Jó mostra caminhos novos de resistência e de encontro com Deus, um modo de sentir todo o ritmo da vida.
Jó: uma história com final feliz
Vamos passear pelo livro de Jó. Se eu tivesse que falar para crianças contaria assim. "Era uma vez um homem... chamado Jó. O país dele se chamava Hus. Jó era um homem justo, amava a Deus e evitava fazer coisas ruins. Tinha sete filhos e três filhas. Possuía muitas ovelhas, bois, camelos, cavalos. Era o rei do gado. Era o mais rico de todos. Era um cara legal!
As coisas começaram a ir mal e perdeu tudo. Jó procurava entender o recado Deus e dizia: Deus deu, Deus tirou. Bendito seja Deus!
Mesmo perdendo tudo, não se queixava com Deus, com o destino ou com a sorte dele. Depois de muitas provas, Deus encheu de bens a casa dele e dobrou tudo o que tinha no começo e vivia feliz, coberto de anos em companhia dos filhos e filhas, e dos netos".
– Gostaram da história?
– Gostamos. É uma história linda, com final feliz!
– Vamos ler juntos. Está no livro de Jó, capítulo primeiro e segundo. E nós, feito crianças, depois de ler os dois primeiros capítulos, vamos pular alguns capítulos... até chegar ao capítulo 42. É só ler o capítulo 42, do versículo 10 a 17.
Vamos ao teatro
Os entendidos dizem que alguém encontrou essa história e aproveitou para debater o tema: o sofrimento do inocente. O que fez? Pegou as pontas do começo e do fim. Esticou... e no meio encaixou do capítulo 3 ate 42,9. Simples e criativo!
Podemos imaginar que estamos no teatro. As luzes apagadas, uma luz tênue na sala, música de fundo, o narrador entra em ação... "Era uma vez... um homem chamado Jó, da terra de Hus. Jó era íntegro e reto, temia a Deus e evitava o mal..." e continua narrando. O sofrimento se abate sobre ele. Perde tudo o que tem inclusive os filhos, cai doente e acaba num monte de lixo. A única coisa que lhe sobra é um caco para coçar as feridas (Jó 2,7-8). A própria esposa o aconselha de amaldiçoar a Deus. Mesmo assim Jó permanece fiel (Jó 1,20; 2,9-10) até que chegam três amigos que, diante do enorme sofrimento, ficam sem palavras. Todo o mundo está em silêncio, acompanhando um homem na dor. Silêncio, dor, silêncio... por sete dias e sete noites!
O narrador sai. Começa o debate. Na cabeça fica o tema e o roteiro que nos entregaram na entrada: Prólogo (cap. 1-2) e Conclusão (42,7-16). Diálogo entre Jó e seus amigos (3-27). Elogio da Sabedoria (28). Discurso de Jó (29-31). Discursos de Eliú (32-37). Diálogo entre Jó e Deus (38 até 42,6).
O grito e a teimosia de Jó
Ainda na escuridão, percebemos as silhuetas de Jó e seus amigos. De repente se escuta um grito no meio do silêncio de uma semana e de uma vida de desespero. Alguém grita. Não dá para reconhecer o rosto (Jó 2,12). Abre a boca e amaldiçoa o dia de seu nascimento (Jó 3,1). Estamos acompanhando uma pessoa que está na amargura (3,20) e "vive sem paz, sem tranquilidade e sem descanso, em contínuo sobressalto" (Jó 3,26). Nesse rosto desfigurado, como aquele que retrata Isaías (Is 52,13-53,12), contemplamos a dor dos pobres, de homens e mulheres de ontem e de hoje.
O drama está aí. Um zé-ninguém... Uma mulher que morre na porta do hospital, uma criança que dorme debaixo das marquises, um idoso... de repente começa a gritar, a questionar sábios, teólogos, agentes de pastoral... Quer até discutir com Deus. Essa pessoa tem nome: Jó, do país de Hus. É um estrangeiro. Não pertence ao povo de Israel.
– E foi acolhido em Israel?
– Foi! Jó é um livro sapiencial. Entra no time de pessoas respeitadas "pela sua prática da justiça".
– De onde você tirou isso?
– Do profeta Ezequiel (14,14.20). Daniel, Noé e Jó, pela prática da justiça agradaram a Deus! E a carta de Tiago (5,11) considera Jó como os profetas que perseveraram com paciência histórica, firmes até o fim.
– O livro de Jó é profético?
– É sapiencial, mas o tom de voz é da casa da profecia! Jó, como Jeremias, grita "maldito o dia do nascimento!". As duas únicas vezes que aparece na Bíblia. O sofrimento era tão grande! Jó grita a própria dor e denuncia o sofrimento e a exploração dos fracos. Defende o direito dos pobres e das viúvas. O capítulo 24 é uma amostra da coragem e teimosia de Jó. É o grito profético de todos os excluídos na garganta de Jó.
Os três amigos devem ter levado um susto. A plateia está envolvida no desenrolar do drama. Alguém gritou o que todos sentimos, mas que ninguém tinha a coragem de dizer em voz alta!
Jó questiona o modo de pensar da época. O sofrimento era visto como castigo de Deus. Todo sofredor era pecador. Jó luta contra esse modo de refletir que, para defender a Deus, conta mentiras sobre a vida humana (Jó 13,7). Ele fala com coragem: O sofrimento não é castigo de Deus! Este é um critério-chave para interpretar o livro de Jó.
O diálogo entre Jó e Elifaz, Baldad e Sofar se desenvolve em três cenas: 1ª cena: cap. 3-11; 2ª: cap. 12-20; 3ª: cap. 21-27. Temos três rodadas de discursos. Começa Jó, responde Elifaz; fala Jó, responde Baldad; continua Jó, responde Sofar. E assim por três vezes seguidas. Há nove colocações de Jó e três de cada amigo, menos na última rodada onde Sofar não intervém. A fala de Jó é muito maior e a mais importante!
O esquema é repetitivo. Não se avança. Para concertar tudo, se programa uma nova reunião! É o que fazem os amigos de Jó. Mostram a pobreza de seus argumentos. Jó, porém, não se repete e questiona tudo!
Na segunda parte do livro, entra um quarto personagem: Eliú. Traz um pacote de quatro discursos: capítulos 32 a 37. A ideia original que propõe é uma teoria "pedagógica" do sofrimento.
Um novo rosto de Deus
Deus não é monopólio de ninguém! Quando alguém diz "isto é Deus", estamos na porta do palavrão ou da idolatria. Jó protesta, justamente! Lembremos a reflexão sobre Deus de Santo Agostinho. Ele alerta para uma identificação apressada de Deus: "Olha, se entendes, não é Deus! Se entendes, não é realmente Deus!" viu? Ouviu?
O debate com Jó terminou num empate técnico ou num fracasso total. Os amigos não conseguem convencer a Jó, e não saem convencidos de que ele tenha razão. A discussão não soluciona o problema.
Continua o diálogo. Estamos na parte mais alta da obra. Deus, provocado por Jó, é o único que tem uma palavra a dizer sobre o abismo do mal. Por isso, o próprio Deus entra na conversa com dois discursos (Jó 38-41). No primeiro, Deus responde a Jó e o questiona, descrevendo a sabedoria divina, espalhada pelo Universo (Jó 38-39). Entre os dois discursos, se encaixa uma breve confissão da pequenez de Jó 40,3-5. Deus continua falando sobre o modo de governar e de seu poder criador, lutando contra o mal e a injustiça, capaz de dominar as forças do mal (40,6-41,26)
Antes de fechar o pano, Jó diz a última palavra. Nesse testemunho de Jó e na sentença de Deus, o autor nos entrega a chave para entender e avaliar o debate. Vale a pena lermos a conclusão: "Eu falei, sem entender, de maravilhas que superam a minha compreensão. Tu disseste: 'Escute-me, porque vou falar. Vou interrogá-lo, e você me responderá'. Eu te conhecia por ouvir falar de ti, mas agora meus olhos te viram. Por isso me retrato e me arrependo sobre o pó e a cinza" (Jó 42,3-6).
O teatro acabou. Reaparece o narrador para contar o fim da história. Deus mesmo se dirige a Elifaz: "Estou irritado contra você e seus dois amigos, porque vocês não falaram corretamente de mim como falou o meu servo Jó. Vão até o meu servo Jó... ele intercederá por vocês. Em atenção a ele, eu não os tratarei como a insensatez de vocês merece, porque vocês não falaram corretamente de mim, como falou o meu servo Jó".
Todo aquele que estava torcendo por Elifaz, Baldad e Sofar (de Eliú não se fala no fim) recebe agora a resposta de Deus. É interessante confrontar o começo da vida de Jó (cap.1) e o final da história.
Veja as diferenças e a novidade que traz a conclusão. Só aparentemente se parece com o início. Jó procura o rosto de Deus, por caminhos inéditos e em momento nenhum aceita um Deus feito a imagem do homem. A partir da vida e da experiência, descobre e fala do rosto vivo de Deus, sempre novo, como o sol de cada dia. Jó, como Jesus, nos convida a passar de conhecer a Deus "de ouvidas" a "contemplá-Lo com os próprios olhos!" Um desafio e tanto!