“É preciso fundamentar nosso compromisso missionário e toda a nossa vida na rocha da Palavra de Deus” (Doc. Aparecida 247)
quarta-feira, 21 de setembro de 2011
Aquí estou. Envia-me!
Descobrir o que uma pessoa quer ser na vida forma parte das aventuras mais fascinantes do mundo e, muitas vezes, vai acompanhado de medo e não poucas dificuldades. Vejamos como conta o profeta Isaias o seu descobrimento de um acontecimento tão marcante na vida dele. Podemos ler o capítulo 6 do livro de este profeta genial(Is 6,1-13).
Estamos no ano 740 a. C. e Isaias tem uns 20 anos. Essa é a data mais provável para essa visão de Isaias que nos narra sua vocação-missão, não ao começo como Jeremias (1,1-19), mas já avançado o livro. O relato define a missão do profeta e põe a questão da conversão ou não dos destinatários da palavra profética. A morte de Ozias coincide com a entronização de seu filho Joatam, de quem se dizem coisas tão negativas (em 2 Rs 15,32-35 ou em 2 Cr 27,1-9), como de seu sucessor Acaz (2 Rs 16; 2 Cr 28). Esse é o contexto da profecia de Isaias, onde ele vai atuar. A profecia tem sempre lugar e hora, um contexto vital.
Isaias narra a visão de Javé sentado num trono alto e elevado, quer dizer, com os traços de um rei, em posição de seu exercício de poder. O profeta conta uma experiência transcendental na sua vida e na história da profecia. Destaca a majestuosidade de Deus, sentado no seu trono, rodeado de seus ministros e cobrindo o templo com a orla de seu manto. A designação de Deus como o Senhor é significativa com outras cenas em que Isaias terá que falar a um rei.
Podemos destacar três partes: a teofania (1-5); a sagração ou purificação (6-7), e a missão (8-13). Na primeira parte aparece outra chave de leitura da visão nas expressões de plenitude: o manto enche o templo, a glória de Javé enche a terra, a fumaça enche o templo. No centro está a expressão da plenitude da glória, que expressa fama/exaltação, peso/carga/energia e ao mesmo tempo esplendor: algo luminoso, sobretudo nas manifestações de Deus. Contrasta a plenitude do começo da visão com o “vazio” do final.
Serafins estão de pé, por cima do personagem que está sentado, indicando assim sua posição de serviço e entoam o tríplice “santo” que não é tanto uma invocação á santidade e virtude de Javé, quanto à sua exclusividade para Israel: é um Deus diferente daquele dos outros povos e reservado/consagrado a seu povo, um Deus “especial” para Israel (Croatto). Já desde 1,4 e 5,19 até o final (60,9.14) o livro de Isaias usará esse título divino como um dos seus eixos de sentido. A “santidade / exclusividade” de Javé exige a fidelidade absoluta de Israel para com Ele. Este é um tema fundamental para Isaias. Aqui se mostra como expressão fundamental de uma teologia que constitui o núcleo da mensagem de Isaias, e ordena a atitude que se exige diante de Deus, o Santo de Israel (fórmula que se encontra 11 vezes na primeira parte de Isaias e 13 na segunda, assim como em Jr 50,29; 51,5 ou nos Sl 71,22; 78,41; 89,19). A teologia da santidade de Deus, que exige a do povo, reaparecerá com Ezequiel, em Isaias 40-55 e em certas tradições sacerdotais conservadas em Jerusalém (cf. Levítico 17-26).
O Deus de Israel é chamado “Deus dos Exércitos”. O término evoca os exércitos de Israel em ordem de batalha; depois, como em Deuteronômio 4,19, designa as constelações ou elementos que constituem o universo organizado. A glória é, às vezes, utilizada como doxologia nos Salmos (Sl 72,19).
O segundo cenário (vv. 5-7) mostra a reação de Isaias diante da visão, e o rito de purificação e sagração de sua boca, que está destinada a falar a palavra de Deus. Isaias confessa ser uma pessoa de lábios impuros em meio de um povo de lábios impuros. Somente Isaias é purificado, logo será a palavra do profeta que invitará à conversão do povo, para que torne ao Senhor. Temos um grande contraste, o profeta de lábios impuros diz que viu o rei, Javé Sebaot. O viu, porém, está chamado a viver, a profetizar, não a morrer. Ver o Senhor ajuda a viver de uma maneira nova. Um serafim leva a cabo a purificação com uma brasa da boca, representando a pessoa toda. O profeta experimenta uma purificação com fogo! E sua culpa lhe foi tirada e seu pecado perdoado, antecipo do que o Senhor quer realizar com seu povo.
A terceira cena (vv. 8-10), não é de visão, mas de audição. Escuta a voz do Senhor que convida a ir, a pôr-se em pé de missão da parte de Deus. O profeta é o “porta-voz” de Deus, leva sempre sua palavra e fala com a mesma autoridade de Deus, por isso usa a expressão “oráculo”, ou “palavra do Senhor” cada vez que se dirige ao povo.
Aqui estou: envia-me!
Vejamos o chamado de Isaias a partir de outros relatos de vocação-missão. Em contraste com Moisés (Ex 3-4), Isaias responde imediatamente. Moisés duvida, apresentando mil desculpas para não aceitar a missão. Jeremias (capítulo 1), também indica sua falta de idoneidade: não saber falar, indicando a qualidade principal para poder realizar a missão. Jacob passa toda uma noite de luta até o sol raiar. Cada pessoa responde ao chamado de Deus desde o mais íntimo da sua personalidade.
Na resposta de Isaias à missão ressoa a disponibilidade de Samuel (1 Sm 3,1-21), a obediência e prontidão de fazer a vontade do orante do Salmo 40,7-11 que logo a Carta aos Hebreus aplicará à obediência total e radical de Jesús à vontade do Pai (Hb 10,5-7); ressoa também a “servicialidade incondicional” de Maria em cumprir a Palavra do Senhor (Lc 1,38); igualmente ressoa a generosidade de Pedro e dos outros discípulos: “nós deixamos tudo e te seguimos”; e, finalmente, evoca a resposta dos primeiros discípulos que encontramos nos Evangelhos como modelo de resposta diante da chamada-missão de todo cristão (Mc 1,16-20;18-22; Lc 5,1-11).
O profeta é chamado a profetizar a esse povo que parece fazer referência a algumas pessoas com responsabilidade, os dirigentes, especialmente os de Jerusalém.
O profeta anuncia a mensagem a esse povo, mas a resposta é negativa, expressada na fórmula: “Escutem com os ouvidos, mas não entendam; olhem com os olhos, mas não compreendam!”. A incapacidade de “entender - compreender” é a atitude básica criticada por essa mensagem do profeta. Quer dizer, tanto Isaias, como Ezequiel (“não te escutarão porque não querem escutar”: Ez 3,4-9) mostram a má vontade para escutar Javé. A fórmula de Isaias é como um trocadilho que poderíamos traduzir desta maneira: Não há pior surdo que aquele que não quer escutar, e não há pior cego que aquele que não quer ver. Quer dizer, a missão de Isaias vai fracassar porque não vão querer escutar a sua mensagem. Mesmo assim o profeta leva adiante a sua missão até o fim, como tantos na América Latina que tombaram no cumprimento da sua missão. Segundo a tradição, Isaias teria sido morto sendo cortado pela metade com uma serra.
BIBLIOGRAFIA:
ABREGO DE LACY J. M., Los libros proféticos, IEB 4, Estella, Verbo divino 2001, pp.117-118.
ALONSO SCHOEKEL L. – SICRE J. L., Profetas. I. Isaías- Jeremías, Madrid, Cristiandad 1980, pp. 139-142.
CROATTO Severino, Isaías. Vol. I: 1,39. O profeta da justiça e da fidelidade, São Paulo - Petrópolis, Metodista-Sinodal-Vozes 1989, pp.57-62.
JUNCO GARZA Carlos, Palabra sin fronteras. Los profetas de Israel, México, San Pablo 32007.
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