segunda-feira, 9 de abril de 2012

SAÚDE E DOENÇA NO NOVO TESTAMENTO

0. Introdução: Jesus e os doentes O anúncio da missão de Jesus na sinagoga de Nazaré inclui “a recuperação da vista aos cegos” (Lc 4,18). No entanto, em toda ação de Jesus, percebemos inúmeros gestos de quem está preo¬cupado em recuperar a saúde. Não apenas no aspecto biológico, mas promover o ser humano para ter uma vida digna, saudável e reintegrada à sociedade, porque a doença significava exclusão social e, às vezes, religiosa. Diz o Evangelho: “Jesus percorria toda a Galileia, ensinando nas sinagogas deles, anunciando a Boa Nova do Reino e curando toda espécie de doença e enfermidade do povo” (Mt 4,23). As obras de Jesus manifestam, assim, sua origem divina e sua messianidade. É dessa forma que ele responde aos discípulos de João Batista: “Ide contar a João o que vistes e ouvistes: cegos recuperam a vista, paralíticos andam, leprosos são purificados e surdos ouvem, mortos ressuscitam e a pobres se anuncia a Boa Nova” (Lc 7,22). Com sua ação evangelizadora, Jesus não apenas cura os doentes, mas resgata o ser humano para o meio da sociedade, dando-lhe dignidade e apresenta uma nova forma de relacionar-se com as pessoas necessitadas. Os Evangelhos são repletos de relatos de Jesus curando os doentes. Jesus não tem só poder de curar, mas também de perdoar pecados: ele veio curar o homem inteiro; é o médico de que necessi¬tam os doentes. Sua compaixão para com todos aqueles que sofrem é tão grande que ele se identifica com eles: “estive doente e me visitaste” (Mt 25,36). 1. A cura do cego de nascença O capítulo nono do Evangelho de São João relata o encontro de Jesus com um cego de nascença (Jo 9,1-41). A cegueira era comum no Oriente Médio. De acordo com o relato evangélico, são os discípulos que per¬cebem a presença do cego e propõem uma questão a Jesus. A dúvida dos discípulos, ao encontrarem o cego, é de ordem teológica. “Quem pecou para que ele nascesse cego?” (Jo 9,2) Seguindo a teologia tradicional, os discípulos propõem a Jesus uma pergunta pela causa da cegueira: teria o homem pecado ou teriam sido seus pais (Jo 9,2), pois havia a compreensão de que o pecado dos pais poderia prejudicar os descendentes, por várias gerações. A resposta de Jesus aos discípulos é clara: “nem ele, nem seus pais pecaram, mas é uma ocasião para que se manifestem nele as obras de Deus” (Jo 9,3). Cristo interrompe a tradição de vincular doen¬ça e pecado e oferece aos discípulos, aos fariseus, aos judeus, aos familiares do cego e ao próprio cego uma catequese sobre sua missão. Jesus apresenta-se como ‘luz do mundo’ e luz que se manifesta pelas obras que realiza. Essa experiência permite que o próprio cego se transforme em discípulo. Ao romper com a teologia corrente e afirmar que a doença não é fru¬to de pecado, nem castigo de Deus, Jesus acaba também com a lógica excludente de atribuir a culpa da enfermidade a Deus e por decorrên¬cia ao pecado, o que gerava e, ao mesmo tempo, legitimava a exclu¬são social e religiosa de quem se achasse doente. A narrativa do sinal é encerrada com a constatação: “o cego foi, lavou-se e voltou enxergando” (Jo 9,7). A finalidade catequética do evangelista está em evidenciar a missão de Jesus como luz do mundo (Jo 8,12). Por isso joga muito com as palavras ‘ver’ e ‘crer’. 2. Bom samaritano: paradigma do cuidado. A parábola do bom samaritano é entendida como paradigma do cuidado. No contexto da CF, o bom samaritano é uma figura emblemática para o cuidado que se espera da parte dos profissionais e servi¬dores da saúde. A parábola ajuda a pensar sobre a solidariedade. A parábola do Bom Samaritano lembra a condição de fra¬gilidade humana, mas também indica que os seguidores de Je¬sus devem descobrir a importância do cuidado. O samaritano é aquele que em face da necessidade do outro a assimila e se deixa transformar por ela. Essa atitude é revelada nos sete verbos e indica um modo de ser diante do outro, que pode iluminar o engaja¬mento da Igreja e dos cristãos no campo da saúde pública. a. Ver. - a primeira atitude foi enxergar a realidade. Ele não ignorou a presença de alguém caído à margem da estrada. Esta atitude, porém, não é suficiente. O ‘sacerdote’ e o ‘levita’ que haviam passa¬do antes dele também ‘viram’, mas passaram adiante. “Bom samaritano é todo homem que se detém junto ao sofrimento de outro homem, seja qual for o sofrimento”. b. Compadecer-se. - a percepção do caído condu¬ziu o Samaritano à atitude de compaixão. A compaixão diante da fragilidade do outro desencadeou as demais atitudes tomadas pelo samaritano. Bom samaritano é todo homem sensível ao sofrimento do outro, o homem que se ‘comove’ diante da desgraça do próximo. Se Cristo, conhece¬dor do íntimo do homem põe em realce esta comoção, quer dizer que ela é importante para todo o nosso modo de comportar-nos diante do sofrimento de outrem. c. Aproximar-se. - ao contrário dos que o antecederam, o via¬jante estrangeiro aproximou-se do caído, foi ao seu encon¬tro, não passou adiante. No homem assaltado, ferido, ne¬cessitado de cuidado, reconheceu seu próximo, apesar das muitas diferenças entre ambos. d. Curar. - a presença do outro exige cuidado. A aproximação, a compaixão não são simplesmente sentimentos benevolentes, elas se tornam obra, se transformam em ação. e. Colocar no próprio animal - este passo é significa¬tivo. Ele colocou a serviço do outro os próprios bens: primeiro seu meio de transporte, depois o que trazia para seu autocuidado, dinheiro. f. Levar à hospedaria- O samaritano envol¬veu outras pessoas e estruturas para não deixar morrer aquele que fora assaltado. Nem sempre conseguimos responder a todas as demandas, mas podemos mobilizar outras forças para atender e cui¬dar de quem sofre. Trata-se de criar parcerias. A Igreja em sua missão profética, é cha-mada a anunciar o Reino aos doentes e a todos os que sofrem, cuidando para que seus direitos sejam reconhecidos e respeita¬dos, assim como a denunciar o pecado e suas raízes históricas, sociais, políticas e econômicas, que produzem males como doença e a morte. g. Cuidar. Expressa o conjunto da intervenção do samaritano. Trata-se de um cuidado coleti¬vo, que envolveu personagens, recursos, estruturas... A razão é que agora ela incluiu outra pessoa, um compromisso que não estava planejado no início da viagem. Cuidar passa a ser uma missão. A figura do bom samaritano assume a condição de modelo para a ação evangelizadora da Igreja no campo da saúde e no cam¬po da defesa das políticas públicas. O espírito do samaritano deve impulsionar o trabalho da igreja. Como mãe amorosa, ela deve aproximar-se dos doentes, dos fracos, dos feridos, de todos os que se encontram jogados no caminho a fim de acolhê-los, cuidar deles, infundir-lhes força e esperança. No restabelecimento da saú¬de física está em jogo mais que a vitória imediata sobre a enfermidade. Quando nos aproximamos dos enfermos, aproximamo-nos de todo ser hu¬mano de suas relações porque a enfermidade o afeta integralmente. 3. Saúde no Evangelho de Mateus Queremos salientar o jeito como o Evangelho de Mateus fala da doença em relação a Jesus. Em Mt 4,23 temos um sumário significativo da atividade evangelizadora de Jesús: “Jesus andava por toda a Galileia, ensinando em suas sinagogas, pregando a Boa Notícia do Reino, e curando todo tipo de doença e enfermidade do povo”. Colocam-se as três atividades que realiza Jesús: ensina nas sinagogas, prega a Boa Notícia do Reino e cura todo tipo de doença e enfermidade do povo. O curar de Jesús forma parte do anúncio do Reino de Deus: se ele expulsa os demônios é também sinal de que o reino de Deus chegou. É interessante sublinhar que esse versículo 23 faz inclusão com 9,35 onde se diz textualmente: “Jesus percorria todas as cidades e povoados, ensinando em suas sinagogas, pregando a Boa Notícia do Reino, e curando todo tipo de doença e enfermidade”. Este arco narrativo encerra o sermão do Monte e os capítulos 8-9 onde se narram dez milagres de curas. Assim construída esta sequência podemos ver como tanto a mensagem como os gestos curativos de Jesus formam parte da missão fundamental do anúncio do Reino de Deus. Além disso, temos que acrescentar que 9,35-38 é um texto-dobradiça, quer dizer, fecha ou serve de conclusão para a primeira unidade (4,23-9,35) e ao mesmo tempo abre ou aponta para unidade seguinte onde se fala da missão dos discípulos (Capítulos 10,1-11,1). O que se diz de Jesús é dito também como missão da Igreja a ser realizado nos dias de hoje e sempre. 4. A participação humana nos sofrimentos de Cristo O sofrimento redentor de Cristo leva o homem ao reencontro com seus próprios sofrimentos. Este processo foi vivido por são Paulo: “Com Cristo fui pregado na cruz. Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim. Minha vida atual na carne, eu a vivo na fé, crendo no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,19-20). A cruz de Cristo ilumina a vida humana, especialmente o so¬frimento e a morte, porque o anúncio da cruz inclui a notícia da ressurreição, a qual confere uma iluminação nova ao sofrimento. Bento XVI lembra que a Igreja como comunidade deve praticar o amor. No evangelista João, a mensagem de Cristo parece conter apenas um grande mandamento: “Eu vos dou um novo mandamen¬to: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós de¬veis amar-vos uns aos outros” (Jo 13, 34). É o amor, no Espírito, que constitui a comunidade eclesial e a impulsiona ao serviço, a acorrer aos sofridos e necessitados. Justino Martínez Pérez

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